quarta-feira, 27 de julho de 2016

A crueldade sufoca nossa humanidade. Somos homens?


Em Niterói (RJ), morreu na sexta-feira (22) Michelle Ferreira. Ela passou meses internada após ter sofrido espancamentos ao reagir a uma cantada.
Thaysa Vilas Boas, 22 anos, continua internada em estado gravíssimo em Umuarama (PR). Grávida de sete meses, ela levou um tiro na cabeça no dia 11 de julho. O bebê morreu três dias depois.
Em Saint-Etienne-du-Rouvray, na Normandia, o padre Jacques Hamel, 84 anos, foi degolado após dois homens armados com uma faca ao invadirem a paróquia em que trabalhava, nesta terça-feira (26).
Em Bagdá, capital do Iraque, mas de 120 pessoas morreram quando um caminhão-bomba explodiu perto de um local de grande concentração.
Na região central do Rio, Cristiane de Souza Andrade foi morta na frente da filha de sete anos com  duas facadas no pescoço, após dizer ao bandido que não tinha dinheiro.
Em Nice, mais de 80 pessoas foram atropeladas e mortas por um caminhão, em atentado ocorrido no dia 4 de julho.
Em Mosqueiro, distrito de Belém, o assessor parlamentar Fábio Wellington Pereira Pires foi executado durante assalto à sua casa de veraneio, na sexta-feira (22). Havia três famílias na residência - cerca de 10 pessoas, entre adultos e crianças. Quando estavam saindo, eles atiraram no dono da casa, que foi atingido na cabeça e morreu na hora.
Abram a internet. Leiam aleatoriamente. E fartem-se com atrocidades sem fim, com horrores que ceifam vidas individualmente ou coletivamente, em atentados terroristas ou não.
Abram a internet. Leiam aleatoriamente. Descubram ocorrências em Belém, no Brasil, na França, no mundo inteiro. Todo dia, o dia todo.
É isto um homem? - você deve se perguntar.
Quem faz isso é humano?
Leio tudo isso. Aleatoriamente.
Lembro-me de Primo Levi (ao lado), o escritor italiano que logrou escapar com vida do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia.
Ele escreveu obras fantásticas - ora depoimentos, ora ensaios sobre os horrores da guerra.
Uma de suas obras, talvez a mais pungente, pulsante, densa, inquietante e trágica tem, justamente, o título de "É isto um homem?".
Levi narra atrocidades inacreditáveis que ele viveu, que ele viu, sentiu e testemunhou quando era um häftlinge em Auschwitz.
Primo Levi expõe a degradação do ser humano.
Revela os limites - não se sabe se mais baixos ou mais altos - a que pode chegar a bestialidade humana.
O livro é curto. O que o repórter leu está aí na imagem.
Quando cheguei à metade, comecei a perguntar-me: homens são capazes de fazer isso?
"Os personagens destas páginas", responde Primo Levi, "não são homens. A sua humanidade ficou sufocada. Ou eles mesmos a sufocaram, sob a ofensa padecida ou infligida a outros. Os SS maus e brutos, os Kapos (feitores, comandantes dos campos), os políticos, os criminosos, o 'proeminentes' grande e pequenos, até os Häftlinge indiscriminados e escravos, todos os degraus da hierarquia insensata determinada pelos alemães estão, paradoxalmente, juntos numa única íntima desolação."
Isso foi durante a II Guerra.
Voltemos ao agora.
Voltemos a Niterói, ao centro do Rio, a Bagdá, a Mosqueiro, a Belém, às francesas Saint-Etienne-du-Rouvray e Nice.
Voltemos a essas barbáries cotidianas.
Os personagens destas histórias com que nos deparamos todo dia, o dia todo parecem ter perdido a condição de humanos. Nossa humanidade parece estar cada vez mais sufocada. Assassinos cruéis nos coisificam. É possível que nós próprios nos vejamos como meros objetos da crueldade, como os häftlinge pareciam sentir-se diante dos kapos que os castigavam e os deixavam morrer em meio a vômitos, a fezes e ao desprezo, todos desfigurados, descarnados, escalpelados em sua honra.
É isto um homem? - perguntava Primo Levi naqueles anos 1940.
É isto um homem? perguntamos ainda agora, quase 80 anos depois.

Um comentário:

Anônimo disse...

Infelizmente é a banalização da vida.
E com um triste agravante: depois de sofrer, ser vítima, ler, saber, passamos a achar natural, ficamos "acostumados" com tanta estupidez e barbárie.