segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A derrota do PT no Pará: de quem é a culpa?

PERE PETIT

Em 2006 elegemos a primeira governadora do Estado do Pará, a petista Ana Júlia Carepa, que liderou a vitoriosa Frente Popular Muda Pará. Essa vitória representou a mais importante conquista do PT no nosso Estado ao liquidar o domínio tucano-pefelista (PSDB-DEM), que durante os seus doze anos no governo destruíram as finanças públicas, pioraram o sistema público de saúde, segurança e educação, além de sucatear, para depois privatizar, a rede pública de energia (Celpa), defenderam os interesses dos madeireiros, do agronégocio e perseguiram os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária e as reformas urbanas.
Nossa vitória nas urnas gerou uma grande expectativa na maioria da população paraense, pois governamos exitosamente a capital do Estado, Belém, por oito anos (1997-2004). Governamos o Brasil desde 2003 e iríamos governar o Pará, um dos Estados mais ricos (em recursos naturais) e ao mesmo tempo mais pobres e desiguais da federação.
Chegamos às eleições de 2010 com a esperança da vitória de Dilma para suceder Lula, e o medo de perder o governo estadual para o PSDB por culpa dos altos índices de rejeição que tinha Ana Júlia entre a maioria dos eleitores, especialmente na Região Metropolitana de Belém. Esses temores se confirmaram já no primeiro turno, quando Simão Jatene chegou perto de conseguir 50% dos votos validos e superou Ana Júlia em mais 450 mil votos com uma diferença percentual, ao seu favor, de 13% dos votos válidos. No final, segundo turno, Simão Jatene foi eleito governador ao obter 1.860.799 (55,74%) e Ana Júlia 1.477.609 (44,26%).
Apesar do crescimento no número total de eleitores, Ana Júlia obteve, no segundo turno de 2010, 200 mil votos a menos do que os logrados em 2006, sendo derrotada a sua candidatura na maioria dos municípios paraenses, entre eles Belém e Ananindeua, e também em dois dos principais municípios administrados por petistas: Santarém e Parauapebas.
As derrotas das candidaturas petistas ao governo estadual e ao Senado com Paulo Rocha, a vitória de Serra em Belém e em importantes municípios administrados pelo PT, ainda que Dilma fosse a mais votada no Pará, obriga ao conjunto do partido que reflita sobre as causas internas (atuação do partido e do governo, política de alianças, “marketing eleitoral”), e externas (aliados e opositores) dessas derrotas, pois apesar de ter ampliado o número de deputados federais (3 para 4) e deputados estaduais (6 para 8), esse acréscimo também foi preocupante porque foi logrado, em parte ou em grande medida, a um custo ético-político muito preocupante.
Não podemos deixar de lamentar que o Pará fosse o único estado no qual o PT não conseguiu reeleger o seu governo. Certamente isso não foi por méritos exclusivos dos opositores ao governo petista, pois a direita entrou nas eleições com menos recursos e dividida (briga entre Jatene e Almir pelo controle do PSDB e pela escolha do candidato ao governo); as principais lideranças do DEM no estado deixaram em 2010 o “mundo da política” não participando do processo eleitoral; o PMDB, após a ruptura com Ana Júlia, apresentou um candidato a governador para ser derrotado com o intuito de negociar depois no segundo turno, com o provável vencedor espaços no futuro governo além de outras benesses.

Avaliando a atuação da DS no governo
A seguir, vamos resumir algumas das causas que talvez nos ajudem a entender a derrota eleitoral de Ana Júlia e do PT no Pará em 2010, às quais poderiam ser unificadas em três blocos: a) análise da ação de governo; b) relação da cúpula do governo com o PT (e grupos e militantes petistas) e relações com os partidos aliados; c) estratégia eleitoral.
Considero, em primeiro lugar, que a derrota manifestou a falta de orientação estratégica do governo liderado por Ana Júlia e a cúpula da DS para tentar imprimir uma feição democrático-popular ao governo estadual, fazendo apenas tímidas mudanças para reverter a situação de extrema miséria em que vive boa parte da população paraense e escassas melhoras na saúde e na educação pública.
Essa falta de orientação estratégica e, portanto, de uma definição precisa de metas e prioridades acabou favorecendo que muitas secretarias atuassem quase que autonomamente, orientando muitas das suas ações a preparar a campanha eleitorais dos seus responsáveis e dos seus “padrinhos políticos” mas que atender as demandas das regiões, municípios e da maioria da população.
A idéia de avançar na criação de uma nova base socioeconômica no Pará baseada na transformação de matérias-primas no próprio Estado não teve quase nenhum impacto real na vida dos paraenses nos últimos quatro anos. Os avanços na área ambiental alcançados nos dois primeiros anos foram gradativamente perdidos pelos interesses eleitoreiros de setores do governo.
A relação com os movimentos sociais foi, no geral, de cooptação e/ou de repressão. Essa foi a relação que se manteve, por exemplo, com os movimentos sociais e sindicatos mais ativos como o Sintepp e o MST.
A política de comunicação do governo estadual foi um desastre e a maioria da população ficou desconhecendo o que estava fazendo de “bom” e diferente dos governos do PSDB-DEM (por exemplo: melhoras na segurança pública; Bolsa Trabalho para cerca de 70 mil jovens; milhares de postos de tra-balho criados através de concurso público; descentralização administrativa; melhora dos salários dos servidores públicos), entretanto a mídia nacional e local e os partidos a oposição e futuros ex-aliados (PMDB, sobretudo), não perdiam nenhuma chance em aproveitar as falhas de gestão do governo para ir criando a idéia de um governo inoperante, corrupto, sem “obras para mostrar”, que “perdeu para Manaus ser sede da Copa do Mundo de Futebol”, que a sua polícia “agride professores em greve”, permitindo que fosse criando no imaginário de muitas pessoas a idéia de “Ana Júlia nunca mais”.
As principais lideranças da tendência Democracia Socialista (DS) utilizaram e abusaram do uso da máquina administrativa para tentar se consolidar como “grupo no poder” e favorecer, assim, seus próprios interesses político-eleitorais em detrimento dos interesses do conjunto do partido e das forças políticas e organizações sociais que apoiaram a eleição de Ana Júlia em 2006.

Objetivos menores
Se Lula e o PT nacional tiveram como eixo da sua política de alianças o objetivo central de eleger Dilma presidenta, aqui no Pará a cúpula do governo parecia que tinha como eixo da sua estratégia político-eleitoral eleger um deputado federal e outro estadual para a DS, esperando que o troca-troca, os milhões a serem gastos na campanha, as “formiguinhas” e o maior tempo na TV e rádio fossem capazes de reverter a rejeição de Ana Júlia e derrotar Simão Jatene. “Perderam o governo”, mas, pelo menos (!!!), esse objetivo foi logrado e hoje a DS tem, pela primeira vez no Pará, dois deputados: um federal (Puty, ex-Chefe da Casa Civil) e um estadual (Edilson Moura, ex-Secretario de Cultura).
No percurso, acabaram com a aliança com o PMDB e deixaram a maioria dos petistas muito preocupados com a expectativa de manter por mais quatro anos no governo um grupo de pessoas que pretendem (ou pretendiam) transformar o PT numa mera sigla eleitoral e seus militantes em cabos eleitorais, tentando ampliar a sua influência no partido (na ausência de um projeto coletivo político-ideológico que unificasse seus militantes e simpatizantes), através de nomeações de cargos no governo e apoios eleitorais atuais ou futuros. Sem esquecer que essas estratégias e práticas tradicionais dos partidos de direita, estão se tornando cada vez mais habituais no seio do PT e em outros partidos de esquerda, inclusive entre alguns ex-petistas paraenses que migraram para o PSOL.
Mas não foram apenas os de “fora” que tiveram que sofrer ou suportar o tratamento dispensado pelo comando da DS no governo. Membros da sua tendência que não compartilharam a estratégia de eleger os seus dois deputados definidos como prioritários foram sendo progressivamente afastados do governo (entre eles, Carlos Guedes, Charles Alcântara e Edilza Fontes).
Um exemplo paradigmático da nefasta relação da cúpula do governo com as outras correntes petistas e partidos formalmente aliados foi o apoio da DS e da estrutura do governo estadual à reeleição, em 2008, do prefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB), histórico antipetista, que disputou, entre outros, com o candidato do PT, Mário Cardoso. No segundo turno, derrotado o petista, a DS ajudou a derrotar o candidato Priante (PMDB), e o desacreditado Duciomar Costa foi reeleito. Priante daria o troco em 2010 apoiando no segundo turno a Simão Jatene.
A estratégia eleitoral da CNB (Construindo um Novo Brasil), corrente que hegemoniza a direção estadual do PT no Pará, tampouco deveria ser seguida pelos nossos futuros candidatos. Primeiro, ao impedir que o PT escolhesse dois candidatos ao Senado quando ainda existiam muitas dúvidas a respeito da aplicação da Lei da Ficha Limpa que afetaria a candidatura de Paulo Rocha. Depois, chamando as petistas a fazerem “dobradinha” com Jader Barbalho, dobradinha que não foi correspondida e Jader ficou em segundo lugar na frente de Paulo Rocha. As tendências da CNB, não muito diferente das atitudes pragmáticas e práticas da DS, defenderam a reeleição de Ana Júlia e optaram por ficar com a suas Secretarias e espaços no governo estadual para apoiar aos seus candidatos a deputado federal e estadual.
A derrota do governo liderado por Ana Júlia é, sem dúvida, um grande passo atrás para os interesses da maioria do povo paraense, pois o PSDB governará, mais uma vez, em favor dos interesses dos grupos economicamente dominantes do estado. Corresponde agora, aos militantes do PT, às direções do partido, aos seus deputados, prefeitos e vereadores a organizar a oposição de esquerda ao governo conservador liderado pelo Jatene e ao desacreditado prefeito de Belém, Duciomar Costa.
Para obter êxito nesta caminhada é fundamental renovar ética e politicamente o PT e recuperar o caráter estratégico e coletivo da atuação do nosso partido, em detrimento, portanto, dos interesses individuais ou eleitorais de determinadas lideranças petistas que hoje controlam o partido ou controlaram a ação político-eleitoral do governo de Ana Júlia. Sem uma mudança de rumo, sem fortalecer a nossa atuação nas escolas e universidades, nos movimentos sociais e sindicatos do campo e da cidade, corremos sérios riscos de ver diminuída a nossa força eleitoral no Pará nas eleições municipais de 2012, pondo em risco, portanto, as nossas chances de derrotar à direita, junto com os nossos aliados, nas eleições de 2014.

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PERE PETIT é historiador (professor da UFPA) e membro da Direção Nacional e estadual da AE-Pará
O artigo, remetido ao blog pelo autor, foi publicado na revista PÁGINA13 (edição eletrônica nº 16 —07/jan/2010) e no Blog da Articulação de Esquerda no Pará.

2 comentários:

Anônimo disse...

O problema desse pessoal é:
- escrever muito;
- debater demais; e
- governar que é bom, nada....

Anônimo disse...

Eu sou mesmo um "gonorante" em política! Por isso queria que o professor ou algum outro esclarecesse uma dúvida. A aliança com os setores mais retrógrados da política brasileira (Sarney e Cia) que levou Dilma ao poder é lícita pois se trata de interesses maiores? Ainda gostaria de saber quais seriam esses interesses maiores?
Esses setores retrógrados como madeireiros, latifundiários não compartilhavam o Governo Ana Júlia? A repressão política e policial aos movimentos sociais (vide assassinatos de lideranças cometidas por fazendeiros ou seus filhos e as prisões e mandados emitidos contra lideranças dos movimentos)só existia na época Tucano-Pefelista?

Cláudio Teixeira