domingo, 10 de agosto de 2008

Ficha-suja de candidatos: uma outra chave de leitura

WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH/Carta Capital

A Associação Brasileira de Magistrados (ABM), da qual me retirei há cerca de 20 anos, reúne quase 14 mil juízes. Desde a gestão do presidente anterior, Rodrigo Collaço, a associação apresenta propostas e toma iniciativas a revelar que, felizmente, possui um compromisso social.
Essa associação já lutou contra o nepotismo no Judiciário. Agora, na gestão de Mozart Valadares, acaba de divulgar, referentemente aos candidatos a prefeitos de grandes centros urbanos, a relação de processos a que respondem. Aliás, todos eles iniciados pelo Ministério Público, em face das suas atribuições constitucionais de defensor da sociedade e de fiscal do cumprimento da lei.
Como esses processos não tramitam em segredo de Justiça, não existe nenhum impedimento legal à divulgação e, nos horários eleitorais gratuitos, os candidatos que figuram na impropriamente chamada “lista suja” poderão prestar esclarecimentos aos eleitores. De se frisar a impropriedade do termo, uma vez que, pela Constituição, somente estariam “sujos” os definitivamente condenados pela Justiça e, no campo criminal, os não reabilitados. “A condenação ou as condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado”, diz a lei processual.
Com a iniciativa, a ABM, de forma indireta e sem querer, acaba por escancarar uma velha patologia nacional, ou seja, a morosidade do Judiciário. Uma Justiça que levou mais de dez anos para ser reformada, mas cujos processos pós-reforma não tramitam um átimo de segundo mais rápido. Na sempre desprezada lição de Rui Barbosa, dita na célebre “Oração aos Moços”: “Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
A ex-ministra e candidata à prefeitura de São Paulo Marta Suplicy governou a cidade paulistana até 2004. Ela aparece na lista divulgada pela ABM. Só que, desde 2004, espera a definição da Justiça. E a solução desse caso ainda demorará anos. Marta vai esperar muito mais do que os passageiros ao tempo do chamado Apagão Aéreo. Talvez, durante a espera, ela possa fazer uso do seu conselho aos então passageiros: relaxar e gozar.
O notório Paulo Maluf conhece bem o ritmo de lesma reumática da Justiça. Maluf é o campeão da folha corrida positiva, com quatro ações criminais e mais três por improbidade administrativa. Ele só tem uma condenação em primeiro grau, com recurso em andamento.
Convém frisar que, na condição de deputado federal, Maluf tem foro privilegiado, num Supremo que, nos últimos 40 anos, nunca condenou um político.
Mais ainda, e sempre no que toca à morosidade processual, Maluf, com o dinheiro dos munícipes, presenteou os campeões mundiais de futebol de 1970 com 25 automóveis, modelo Fusca.
Uma ação popular foi proposta em face disso e apenas em 2002, ou seja, 32 anos depois do tricampeonato, a questão foi encerrada no STF, em sede de ação rescisória. No particular, Maluf não precisou devolver o valor dos 25 automóveis.

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WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH é juiz aposentado
Artigo disponível no site do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF)

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