Dizque a propaganda é a alma do negócio. Alguns corrigem a palavra “alma” para “arma”. Eu penso que a alma do negócio é a qualidade (que, em alguns casos, envolve quantidade, também) ou, na falta desta, a ausência de concorrência. Ou o cartel.
Sendo arma ou alma, porém, eu queria saber quem foi que inventou algumas abordagens publicitárias tão repetidas que parecem mitos.
A primeira delas é a de que é gritando que se vende. Tem gente que põe treme-terra na porta da loja e tem gente que grita na televisão. Grita tanto e de tal maneira que ninguém entende o que dizem. Outra é a história do 99 centavos. Dizque a pessoa entende os 99,99 como abaixo de cem. E também porque a tabuada dos 9 é a mais difícil para dividir. Ambas as abordagens são traiçoeiras: operam bem no limite entre a boa e a má-fé, a zona cinza entre o legítimo e o ilegal. Talvez funcionem: mas, na minha cabeça, para funcionar como alma ou arma do negócio, a propaganda deve considerar o seu alvo. A inadimplência é, em boa parte, consequência dos atos de um consumidor iludido: a venda pode até ter batido recordes na saída da mercadoria, mas não se completou.
Entre esses mitos do limite da legalidade está a propaganda com asteriscos, abundante na internet e nos panfletos de bancos e cartões de crédito. Asterisco num anúncio é como letra quase invisível num contrato: leia, ou você vai se dar mal. Um dia destes peguei um panfleto que tinha um rodapé de oito centímetros em letrinha miúda só para traduzir os asteriscos da parte de cima. Em resumo, todas as vantagens apontadas tinham restrições, reservas e algumas de tal ordem que a vantagem sumia, devorada pelo asterisco.
Há uma outra abordagem mítica, também, só que inversa: palavras vazias ditas com uma solenidade que lhes dá idéia de conteúdo. Uma das mais recentes – e caras – é o mote da Caixa Econômica, “a vida pede mais que um banco”. É uma frase oca, porque é óbvio que um banco não resume uma vida. E o pior é que a única coisa que a vida quer de um banco, o respeito e a consideração, a transparência nas operações, a cesta tarifária justa, não tem. Em nenhum deles.
Nesse capítulo das palavras vazias destaque especial vai para a propaganda de celulares. Em sua maioria, alinham uma enfiada de siglas e números que o consumidor precisaria estar plugado num computador para entender o que diz o anúncio. O engraçado é que a compra do celular é decidida pelo tamanho do bolso: todo usuário tem seu sonho de consumo, mas raramente compra o que não pode pagar, tenha o celular os recursos que tiver. E muita gente escolhe o celular pela probabilidade de assalto: quanto menos desejável, melhor.
Curioso é o fato de que há muitos cerceamentos à propaganda: um dia destes estava olhando uma coleção de anúncios antigos que hoje não poderiam ser veiculados, por serem politicamente incorretos. No entanto, a proibição de publicidade de cigarros não lhes diminuiu a venda (e nem o contrabando). Todas as advertências colocadas nas latas de leite em favor do aleitamento materno não diminuíram as vendas de leite para bebês. Recentemente as revistas infantis foram obrigadas a identificar o material publicitário veiculado nelas. A medida não vai alterar as vendas, até porque cria um halo de honestidade em torno do anúncio. E um anúncio honesto é a melhor ferramenta de vendas que existe.
3 comentários:
Como de hábito,"show de bola" a análise de nossa competente colega Ana Diniz. Realmente, com aquela gritaria infernal nos intervalos na TV a propaganda só consegue, smj, afastar uns e ensurdecer outros. Não creio que possa conquistar novos consumidores "no grito" literalmente.
A Ana está cada vez mais "apurada" no ofício de escrever, que exerce com maestria. Ela confirma, aliás, o pensamento de Cícero de que "o ser humano é como os vinhos: a idade apura os bons e azeda os maus." Outro dia um amigo acadêmico sugeriu que me candidatasse a uma cadeira vaga na Academia Paraense de Letras.Disse-lhe, então,para recusar polidamente o honroso convite: "Amigo,convida primeiro a Ana Diniz e o Lúcio Flávio Pinto. Caso eles "topem" então eu também "topo" concorrer ao sodalício...Nada mais disse nem me foi perguntado.
Dona Ana,
De maneira gostosa e sucinta a senhora esgotou a matéria. O que se mais disser são sobras, a não ser, pai d'égua!
Obrigado,
andre costa nunes
Aliás, a acrescento na lista dos que devem ir primeiro para a Academia Paraense de Letras antes que ouse me candidatar o multimidia André Nunes, escritor (dos bons), ecologista do Xingu, poeta do Riozinho do Anfrísio e restauranter da Terra do Meio, um lugar onde se festeja a vida com a Paz da natureza e pantagruélicos acepipes. Uma espécie de Ilha de Sossego a 15 minutos do Caos da Metrópole "engessada" pelo trânsito caótico/neurótico e pela violência que nos mantém reféns do medo de sair de casa.
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