A impunidade cível e criminal é uma das razões
possíveis para que a indisciplina de passageiros em voos comerciais, envolvendo
sobretudo os que estão embriagados, tenha aumentado de incidência e já se
inclua entre os tipos de crimes aeronáuticos que mais têm sido registrados no
Brasil nos últimos anos. Também estão aumentando os casos de transporte clandestino de passageiros, tecnicamente denominado de transporte
aéreo remunerado irregular.
A avaliação, feita em entrevista à edição de
outubro da Diário de Bordo, publicação
do Sindicato
Nacional dos Aeronautas (SNA), é do juiz federal Marcelo Honorato (na
foto ao lado, extraída do site do Cenipa),
especialista em Direito Penal, ex-investigador do Centro de Investigação e Prevenção
de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e ex-piloto da FAB (Força Aérea Brasileira).
Titular da 1ª Vara da Justiça Federal em Marabá,
Honorato também é autor do livro Crimes Aeronáuticos, um estudo dos principais acidentes
da história recente da aviação sob a ótica do direito.
Na entrevista, ela aborda relaciona os tipos de
crimes aeronáuticos mais comuns no Brasil,
explica como se define a
responsabilidade penal de pilotos e comissários em um acidente aéreo e diz que
a aprovação da Lei 12.970, em 2014, inseriu o Brasil está na vanguarda do
direito penal aeronáutico, mais precisamente na área processual, uma vez que a
nova legislação trouxe regras de convivência entre a investigação criminal e a
investigação preventiva, realizada pelo Cenipa.
Leia, a seguir, a entrevista na íntegra:
Quais
são os tipos de crimes aeronáuticos mais comuns no Brasil?
Marcelo
Honorato: Indisciplina de passageiros em voos comerciais, transporte aéreo
remunerado irregular (também chamado de Taca) e operação em aeródromos
irregulares compõem os delitos aeronáuticos mais comuns no Brasil.
Infelizmente, os casos envolvendo passageiros indisciplinados, especialmente
embriagados, tiveram incidência crescente nos últimos anos, talvez em razão da
impunidade criminal e cível.
Quais
as previsões de penalidades para passageiros indisciplinados durante um voo?
MH:
Talvez esta seja a questão mais sensível desses casos: a fragilidade das
punições hoje existentes. No campo administrativo, a primeira delas é a recusa
do transporte aéreo ou o desembarque compulsório. No campo cível, é o
ressarcimento à empresa aérea quanto às despesas geradas com o atraso ou
cancelamento do voo, a exemplo de despesas com hotéis, reposição dos voos,
custos com o leasing, porém, dificilmente as seguradoras têm buscado esse
ressarcimento. Já na área criminal, a consequência é a possível
responsabilização pelo delito de atentado contra a segurança do transporte
aéreo (art. 261 do Código Penal). Entretanto, para configurar esse delito, há
de ser comprovada que a conduta do passageiro indisciplinado, de fato, produziu
um perigo real à segurança de voo, o que nem sempre ocorre, daí a bastante
frequente impunidade na esfera criminal.
Como
é definida a responsabilidade penal de pilotos e comissários em um acidente
aéreo?
MH:
Os aeronautas podem ser responsabilizados por terem cometido alguma negligência
em suas atribuições, e essa falha ser a causa do acidente. Por exemplo, um
piloto que ultrapasse a altura mínima de arremetida em um procedimento de
aproximação por instrumentos, e a aeronave sofra um acidente. Ou um comissário
de voo que deixe de orientar os passageiros a respeito da operação de uma saída
de emergência, e o passageiro não consiga evadir-se da aeronave, em caso de um
incêndio.
Contudo
é importante ressaltar que, nos últimos anos, os órgãos de investigação têm
voltado a atenção para a gestão das empresas aéreas, aproximando-se das teorias
de prevenção de acidentes aeronáuticos, em que entende-se que um sinistro aéreo
é, mais frequentemente, consequência de uma doença organizacional. E não,
propriamente, somente a falha de um aeronauta.
Existe
o instituto da responsabilidade penal do comandante em acidentes, mas ela pode
coexistir ou concorrer com a responsabilidade da empresa de transporte aéreo,
seguradora e até mesmo o próprio Estado. Poderia descrever um caso do seu livro
em que tenha ocorrido essa situação?
MH:
São duas situações distintas. Uma é a responsabilidade penal, em que, além dos
tripulantes, podem ser responsabilizados os gestores da empresa aérea. Um
exemplo é o caso Rico 4815, acidente ocorrido em Manaus, em 14 de maio de 2004,
então classificado como CFIT (voo controlado em direção ao solo), em que o
presidente e um dos vice-presidentes da empresa foram condenados por atentado
contra a segurança do transporte aéreo culposo em sentença de primeiro grau da
Justiça Federal do Amazonas.
Agora,
a responsabilização penal é independente da cível (essa que é o dever de
ressarcir todos os prejuízos da empresa aérea, vítimas e familiares de
vítimas), assim, os dois processos, cível e criminal, podem coexistir.
Como
o senhor avalia o direito penal aeronáutico atualmente, quais foram os avanços
na área e o que precisa ainda ser aperfeiçoado?
MH:
O Brasil está na vanguarda do direito penal aeronáutico, mais precisamente na
área processual, com a aprovação da Lei 12.970/2014, que trouxe regras de
convivência entre a investigação criminal e a investigação preventiva,
realizada pelo Cenipa. Por exemplo, informações prestadas voluntariamente pelos
tripulantes aos investigadores do Cenipa não podem mais ser empregadas em processos
judiciais.
Com
isso, promoveu-se uma grande proteção aos aeronautas no Brasil e, também, às
investigações preventivas do Sipaer (Serviço de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos), que passaram a ser realizadas de forma independente.
Por
outro lado, têm-se observado a tentativa de criação de novos tipos penais, como
para a criminalização do transporte aéreo clandestino e dos passageiros
indisciplinados, por exemplo. Porém, por serem tipos penais com penas baixas,
naturais à espécie, acabam apenas atravancando o sistema judicial brasileiro e,
pior, podem gerar uma sensação de impunidade, servindo como estímulo a essas
infrações.
A questão a se refletir, hoje, é a substituição
da persecução penal por sanções cíveis-administrativas, como multas, interdição
de aeronaves e suspensão de utilização do transporte aéreo, cujos efeitos são
mais céleres e eficazes do que a longa marcha processual criminal brasileira.
2 comentários:
O texto se refere à Lei 12.97/2014, quando o correto é Lei 12.970/2014.
Marcelo
Perfeito. Corrigido.
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