segunda-feira, 10 de março de 2014
A primavera no Cáucaso
Cria-se na Ucrânia uma situação de confronto entre os que querem o país próximo de Moscou e os que desejam vê-lo orbitando a Comunidade Europeia. Ao libertar-se da ex-URSS, a Ucrânia conseguiu instituir um governo escolhido por eleições livres e um capitalismo rudimentar, mas não superou as enormes dificuldades advindas de sua história recente e continua com sérios problemas sociais. A aproximação com a União Europeia seria uma solução? Talvez sim, mas essa é, hoje, um vasto império, que incorpora países diversos, tirando-lhes o direito de ter moeda, orçamento e até representação política independente. Também os obriga a ficar sob a cobertura militar da Otan, algo impensável para os dirigentes do Kremlin, que ficam arrepiados com o avanço desse bloco bélico em aliança com os EUA.
Enfim, trata-se de uma situação que provoca tensões tão sérias como aquelas que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Nessa história não tem nenhum mocinho. O empréstimo do FMI vem junto com um pacote de maldades. Já a Rússia visa manter seu domínio via um presidente glacial e corrupto. A verdadeira alma ucraniana quer estar bem longe do país comandado pelo inescrutável Vladimir Putin – quer ser o georgiano da vez e tem um fascínio por Stalin –, que ainda guarda o ranço de uma Rússia imperial.
A insuficiência das economias da Europa Oriental, seja do modelo comunista ou do social-democrata que se espalhou após o fim do Império Vermelho, é devida em parte a uma questão cultural e sociológica interessante: a Revolução Russa de 1917 partiu de uma sociedade czarista semifeudal para uma economia socialista, pulando várias etapas da construção do capitalismo naquelas nações. Assim, o comportamento quase de senhores feudais de líderes como Ceaucescu e agora do presidente ucraniano Viktor Yanukovych não é admissível aos ideais neoliberais que pressionam essas nações.
A Ucrânia sangra. O país está cada vez mais violento, o conflito entre manifestantes e governo expõe as fissuras de um país dividido entre o ocidente e a Rússia. Depois de meses ocupada pela oposição que resistiram ao rigoroso inverno ucraniano, a Praça da Independência, no centro da capital Kiev, foi palco, recentemente, de uma violenta batalha. Durante dois dias, bombas, granadas e tiros disparados por franco-atiradores – foram identificados em vídeos divulgados nas redes sociais, em que as vítimas foram atingidas na cabeça, no coração e pulmões -, deixaram mais de uma centena de mortos e milhares de feridos. De um lado, policiais leais ao presidente Yanukovych. De outro, oposicionistas que exigiam a sua renúncia.
Yanukovych tem um aliado de peso: o cossaco Putin, presidente da Rússia. A Ucrânia, um país de 46 milhões de habitantes é, afinal, estratégico para os russos. Fonte de recursos naturais (agrícolas e minerais), a Ucrânia tem saída para o Mar Negro, dois portos importantes e é fundamental para a rota do gás natural vindo da Rússia para a Europa - cerca de 80% passam por território ucraniano. Ter Kiev sob sua influência também dá poder à Rússia na geopolítica do Cáucaso.
Assim, a partir de 2009, uniram-se à União da Eurásia Bielorrússia, Cazaquistão, Armênia e Quirguistão. Sem a Ucrânia, porém, o bloco perde força. E, sem a Rússia, a Ucrânia se vê em dificuldades econômicas, principalmente pela dependência energética. Cientes disso e ligados culturalmente a Moscou (em algumas regiões, o russo é o idioma oficial), um terço dos ucranianos se opõe à UE e apoia a integração à União da Eurásia.
A Ucrânia tem pela frente a difícil missão de consolidar um novo governo capaz de evitar que o país se divida em dois – ou três – e que sua economia se desintegre. O Parlamento da Crimeia – de maioria russa –, na Ucrânia, votou a favor de se tornar parte da Rússia. A temática putiniana – o desespero de uma derrota política iminente – perde-se nos labirintos que representa a perda do controle do Cáucaso.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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