segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
A violência é inerente à condição humana
Em novembro de 2009, os líderes mundiais reunidos em Berlim, para festejar a “Queda do Muro”, reconheceram que tudo ainda está incompleto no cenário político e que não basta apenas relembrar fatos ocorridos como se pudessem reparar ou apagar da história o quanto a humanidade pode sofrer nas mãos e nas armas dos insensatos. Na euforia da festa, esqueceram de que é preciso derrubar muitos outros muros.
A história da humanidade e a história da violência parecem estar unidas por um único cordão umbilical por essência, não acidentalmente. Nós ocidentais, espectadores da história, não mais podemos perpetuar a ideia e achar que os antigos são violentos e nós não o somos, ou a de que nós somos violentos e os antigos não o são. Já se foi o tempo em que o mito do “bom selvagem” possuía força de persuasão em nossa civilização. Queiramos ou não, já não temos mais como eleger o passado da humanidade como paraíso perdido ou modelo alternativo para a superação da violência que nos acomete por todos os flancos.
Sofrer e fazer sofrer parece, contudo, ser o combustível dos povos. Nos tempos em que vigoravam os valores sólidos do Ocidente, de matrizes greco-cristãs, a violência parecia ser normativa em toda colcha de retalhos de tecido social. Os autos de fé, que levaram às chamas da Inquisição milhares de homens e mulheres, divertiam diversos cristãos na Idade Média. Da mesma forma, o heroísmo grego elevava o guerreiro e a guerra lhe servia de palco para sua bravura a paradigma existencial. Sem contar no ideal trazido pela Revolução Francesa – Liberdade, igualdade e fraternidade – que fez jorrar muito sangue. Por isso, a violência não se reduz a um problema moral.
Se hoje se mata sem remorso ou culpa devido ao niilismo ético que nos estrutura, que suprime a presença de valores estáveis, ontem matava-se em nome de Deus: fonte de todo balizamento ético ocidental. Como, então, podemos entender a violência? De onde ela vem? Quais suas raízes? Como combatê-las? Estas e outras perguntas só podem ser respondidas caso investiguemos o ser da violência, o que equivale dizer que a violência deve ser abordada ontologicamente. Freud afirmou: “De nada vale tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens”. Em outras palavras: a condição ontológica da violência é congênita. A condição humana é inerente à possibilidade da violência. Por isso, Freud asseverou que podemos somente drenar as condições da violência, mas não eliminar do homem a sua possibilidade.
Trata-se, então, de mostrar a “radicalidade” do problema da violência. Onde há ser humano há condições de violência. Não foi à toa que a narrativa mítica da Bíblia judaico-cristã projetou raízes da violência na relação entre os dois primeiros irmãos da humanidade: Caim e Abel. Isto sinaliza que, na raiz da humanidade, a violência está presente, tornando-se normativa em toda a história posterior. O problema é entender a condição humana da qual a violência ganha a vida. “Vida que segue”.
A possibilidade da violência é inerente à condição humana e não pode ser arrancada do que caracteriza o ser ou o modo de se relacionar do homem. Atos violentos sempre marcaram a história. O caminho para garantir a paz passa por eliminar as condições de violência. São os muros de uma guerra sem fim que não abrem perspectivas para programas de paz. Muitos morreram por tentarem atravessar os muros de muitas intolerâncias.
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SERGIO BARRA é médico e professor
E-mail: sergiobarra@gmail.com
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Um comentário:
TEXTO PERFEITO... ABRAÇOS
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