segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Hipocrisia e dias de ira


Após sua posse como primeira mulher à frente dos destinos do Brasil, a presidenta Dilma Rousseff mostrou, em discurso, o que muda com o novo governo e quais são seus desafios. Há que notar certa ansiedade. Queiramos ou não, há dois motivos para a ansiedade. O primeiro é o perfeccionismo: querer entregar sempre o melhor trabalho possível. O segundo é a tendência humana, demasiadamente humana, de deixar para depois as tarefas menos prazerosas. Isso tem seu custo. Ele pode ser mensurado em atrasos, perda de oportunidades, sentimentos de culpa, tarefas feitas de modo apressado etc.
Antes de deixar a presidência, Lula proclamou aos quatro ventos, com retórica esfuziante, que nunca na história deste país um presidente da República deixou o Brasil em inédita prosperidade. Se fosse assim, os ministros da atual presidente não precisariam declarar cortes nos gastos e nos investimentos; o salário mínimo não teria um aumento tão chinfrim.
Mas a farra na Corte continua. Onde já se viu um reajuste de tamanha proporção nos salários de nossos parlamentares? Tal concessão contraria tudo o que se diz atualmente sobre redução de gastos e reformas. É um atentado contra os ideais democráticos, em um país onde muitos ainda vivem abaixo da linha da pobreza e na ignorância. Chegamos a um tempo em que indignar-se não é o suficiente. Pelo andar da carruagem, a rapinagem e os desvios tendem a continuar. É só ler o currículo de cada ministro para comprovar que a honestidade anda longe da maioria.
A injustiça causa dor, além de causar sofrimento e constrangimento aos brasileiros. Agora, despertamos a ira contra o Brasil. Ao negar a extradição de Cesare Battisti, Lula conseguiu reunir a direita italiana à sombra de uma única bandeira, como se deu em manifestações de protestos recentemente encenadas em Roma diante da embaixada do Brasil e em Milão em frente ao consulado.
Os italianos protestaram contra a decisão do ex-presidente Lula de negar a extradição do ex-terrorista italiano Battisti, condenado à prisão perpétua em seu país pela participação em quatro assassinatos cometidos nos anos 70. O ministro das Relações Exteriores, Franco Frattini, confirmou em jornal de circulação nacional que o país deverá ir à Corte de Haia contra o Brasil.
Estamos diante de um enredo penoso, nutrido em grande parte por ignorância, incompreensão, hipocrisia, recalques e retórica. Dar guarida a um delinquente comum em nome da soberania nacional é patético. Quanto à afronta que na Itália inflama ânimos reacionários, existe quando se pretende que Battisti, caso seja extraditado, sofreria perseguição política e correria risco físico. Ou seja, o Estado italiano, democrático e de Direito, não tem condições de garantir a segurança de seus presos.
Nesse ponto nebuloso entendeu-se que ao decidir à última hora, Lula quis livrar a sucessora de um grande e constrangedor problema. O caso não está encerrado, contudo. O novo chanceler, Antonio Patriota, parece confiante quanto ao desfecho da questão.
O caso nasce do erro clamoroso de Tarso Genro, à época ministro da Justiça, ao enxergar em Battisti um foragido político e um valoroso defensor da liberdade. Sugiro que o ex-ministro Genro deva procurar um oftalmologista, para tratar sua acuidade visual, pois acredito que ele deve sofrer de hipermetropia e astigmatismo. Trocando em miúdos: não enxerga um palmo à frente do nariz e ainda é turva.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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