quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Elogio a Belém



Belém, hoje completam-se 395 anos de tua fundação política. E muitos só conseguem te ver assim, antigo domínio de Portugal, não lembrando que eras a mesma terra durante o Descobrimento, e a perder de vista nos séculos que assistiram à formação de tuas majestosas florestas e rios.
Quase tudo que se diz de ti, cidade, tem essa feição politizada. É fato administrativo. Nasceu com a missão de Castelo Branco ou foi correspondência oficial de impérios lusitanos, Independência e República. Assim, para tanta gente ainda hoje, és o que fizeram de ti: história construída, governo mal ou bem executado. Mas, hoje, quero te olhar em teu berço. Estudar teus naturais atributos. Tentar ser justo contigo.
És a terra das águas, das chuvas vespertinas, da umidade quase a cem. Nasceste assim mesmo, banhada pela baía, repartida em serpentinas de rios, furos e igarapés. E não há defeito algum nisto. Se hoje reclamam de ti, é porque não te enxergam natureza, terras baixas, várzea, paraíso de pássaros, que ainda insistem em visitar teus céus diariamente. Os que lamentam tuas águas volumosas, precisam enxergar o braço humano do progresso, alterando a vida, reconstruindo mapas, mudando cursos que hoje se voltam contra todos.
Nasceste livre península, para que teus filhos pudessem vivenciar o eterno ciclo água-ar. Porém, ergueram muros em teus rios, isolaram o teu povo dessa contemplação idílica. Não podemos mais percorrer tuas orlas. Olhar tuas matas ciliares. Apreciar tuas verdejantes ilhas. Quando demais saudosos, nos debruçamos em janelas, respiradouros da cadeia que te segrega, com um eterno "de acordo" dos que guardam as chaves de tua cela.
Porém, continuas rica, com fartura de frutas inigualáveis. Cheirando a bacuri, cupuaçu, uxi maduro. Não retalias, mesmo quando se tenta mudar o nome de tuas castanhas ou mutilam as copas de tuas pujantes mangueiras . Te banhas de patchuli, manjericão e japanã.Tuas cores são os nuances do açaí e da bacaba, da pupunha e do tucumã.
És a terra do tacacá cheiroso, vendido alegre em tuas calçadas, que arde o peito de quem tem pressa. Dos camarões róseos, deitados no ouro líquido do nosso tucupi apimentado com cheiro. Do jambu pretinho, que anestesia o teu povo e quem mais quiser provar teu gosto.
Não é bem verdade o que se diz tanto de ti: que não dás conta dos carros, que não tens saneamento nem casas para o teu povo. Para ser justo contigo, vou te dizer dois segredos: toda essa gente e carros não querem arredar o pé, gostam de ti de graça, de dizer que moram em Belém. Não vão embora porque tu és o seu mundo, sua vida, seu chão, mesmo às vezes flutuante.
O outro segredo já desenhei acima: não reclamamos de tua essência, de teu povo, de teus dons. Se dizemos teu nome, perdão, há séculos te governam, e alguns te deixaram assim. Porém, tu permaneces linda, com tuas ruas e prédios históricos, com o teu Ver-o-Peso, que, por si, é uma defesa dos bons governos que tiveste. Justiça a eles se faça.
De 1616 até hoje, não quiseste mudar nada. Tudo foi um processo dos que ocuparam teu solo. Dos que se aventuraram em tuas águas. Dos que se incomodaram tanto com isso. Se permitiste mudanças, foi sendo partícipe vencida. Preferias os rios e os bosques. As várzeas, restritas hoje a um Mangal.
Portanto, não te entristece nesse dia que os homens contam tua história. Sabemos que preexistes séculos e até mesmo milênios. Todos reconhecemos tua força em querer servir o teu povo. Em querer ser a Belém dos parauraras e de todos que te adotaram por mãe.

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RUI RAIOL É PASTOR e escritor (http://www.ruiraiol.com.br/)

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