quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Caminhos mentais


Ao passo, precede o pensamento. Segundo a ciência, não há um só gesto em nós cuja origem não esteja na atividade cerebral. Porém, é caminhando pelo mundo que nossas estradas mentais vão sendo construídas, sedimentadas. Neste sentido, passa a existir uma relação de causa e efeito entre o que pensamos e o mundo que conhecemos.
Quando vemos mendigos pelas calçadas, sujos, aparentando alguma insanidade mental, sabemos que nem sempre foi assim. Retroagindo uns 30 anos, talvez encontrássemos uma pessoa bem diferente. Um pouco mais, e teríamos um adolescente, uma criança de colo e um inocente bebê. Por que algumas histórias de vida terminam assim, de forma dramática? Podemos encontrar muitas razões, mas certamente a explicação verdadeira está nos invisíveis caminhos mentais que todos nós percorremos diariamente.
Temos uma cultura que ainda ignora a mente. Médicos fazem parte de nossas biografias desde o útero. Mas, não podemos dizer o mesmo de psicólogos e psiquiatras. Prevalece ainda um estigma sobre esses profissionais. Por muito tempo o conceito de morte era puramente cardiorrespiratório. Mas a denominada morte cerebral mudou o foco. Mesmo assim, o cérebro não faz parte ainda do recomendado check-up anual. Não se requisita uma simples tomografia, capaz de diagnosticar precocemente aneurismas e outros males que amanhã podem matar. E observe que estou falando de aspectos ainda um tanto visíveis.
Nestes dias, a atriz Leila Lopes foi encontrada morta. Ao que indica, trata-se de suicídio. A artista desejava alcançar o topo da fama, que não veio. Aos 50 anos, guardados a sete chaves, ela teria resolvido pôr fim a sua trajetória. Fisicamente não havia nada. Haveria frustração profissional, desencontros amorosos e questões financeiras. Se ela tivesse pensado que problema que se resolve com dinheiro não é problema, talvez estivesse agora reunindo amigos para o réveillon.
Caminhos mentais são estradas que traçamos das quais às vezes não conseguimos mais sair. Se bons, esses caminhos devem ser sedimentados. Se perigosos, submetidos sempre à luz da razão, devem ser descartados.
Na ciência criminal, o delito é visto dessa forma. Em direito, há o que chamamos de "iter criminis", ou seja, o caminho do crime. Está dividido em quatro segmentos: cogitação, preparação, execução e consumação. Na preparação é que o agente delituoso adota as primeiras providências concretas: prepara emboscadas, compra a arma, convida terceiros etc. Todavia, é na fase antecedente, cognitiva, interna e silenciosa, que o crime nasce. Invisível, não pode ser punido, pois o ato de pensar não paga imposto, conforme a sabedoria forense.
Agora, por que pessoas de uma mesma família e idênticas condições têm destinos diversos? Porque os caminhos mentais são personalíssimos, únicos. Eles resultam de um conjunto de fatores que nos formam, mas, sobretudo, das nossas escolhas individuais. Há pensamentos que devem ser cultivados. Alguns, estudados. Outros, banidos. A sabedoria está em selecionar bem.
Como estão os nossos caminhos mentais? Por onde temos andado em pensamento? O que desejamos? O que esperamos? Porventura nossos passos mentais são seguros? Eles têm o mínimo de equilíbrio necessário para enfrentar 2010?
Que bons pensamentos sejam avenidas largas e bem iluminadas em nossa vida. Ruelas, becos e atalhos sombrios, abandonados para sempre. Precisamos de caminhos mentais firmes, que nos façam deixar bons rastros neste mundo. Precisamos desse norte!

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

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