domingo, 7 de setembro de 2008

Sem privacidade e sob suspeita



Há mais ou menos um ano, reportagem em revista de circulação nacional revelou a atmosfera de preocupação que envolvia os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) - alguns deles convictos de que eram alvo de escutas ilegais patrocinadas pela polícia com o propósito de intimidação. Além disso, partindo de onde partiu, a simples suspeita por si só, já seria de uma extraordinária gravidade.
Agora, descobre-se que as desconfianças não eram produto de paranóia. Parece que voltamos aos anos de chumbo, em que uma simples composição do Adoniran Barbosa, "Tiro ao Álvaro", foi considerada de mau gosto e que fazia apologia às armas - quanta estupidez. Enfim, pode-se imaginar o desconforto do presidente do STF, Gilmar Mendes, sabendo que foi alvo ou "Álvaro" de monitoramento criminoso.
Recentemente, depois da divulgação da notícia de que o presidente do STF fora vítima de espionagem, surge uma nova evidência do malfeito. Esta semana, foi divulgada pela Imprensa informações e documentos que não deixam dúvidas: os telefones de Gilmar Mendes foram mesmo grampeados. Os detalhes foram repassados por um servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Um certo servidor revela que é rotina gravar conversas de autoridades até do Congresso. E para provar que dizia a verdade, o funcionário entregou a íntegra de um diálogo telefônico que o presidente do STF manteve com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). As provas confirmam o crime que foi revelado pela reportagem e negado com veemência no Congresso pelo diretor da agência, Paulo Lacerda.
Este mesmo senhor que, ora, sabia ou não sabia? Sabia... Mas só um pouquinho. Essa é a lógica empregada pelo diretor da Abin, Paulo Lacerda, à época, em depoimento admitiu o que tinha negado: houve arapongas na Operação Satiagraha. Foi à CPI dos grampos na semana passada para tentar salvar o emprego - ameaçado desde que se descobriu que seus arapongas participaram clandestinamente da operação espetaculosa, na qual a Polícia Federal prendeu o banqueiro Daniel Dantas.
Uma semana depois da operação, Lacerda havia divulgado uma nota negando o envolvimento de seus espiões no caso. Como bom cara-de-pau, e sem nenhum constrangimento diante dos deputados, ele mudou radicalmente a versão e admitiu a participação de seu pessoal como "uma colaboração informal" - um eufemismo para ilegal -, repetindo a explicação tortuosa dada antes pelo delegado Protógenes Queiroz, o responsável pela operação.
A principal evidência é que até o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal suspeitam ter sido alvo de espionagem. É um deus-nos-acuda. Ninguém está a salvo. É o fim da privacidade no Brasil. Estão todos de olho em nós. Ultimamente, o Brasil tem sido de uma excessiva tolerância diante das violações à liberdade e à privacidade das pessoas em nome do combate à corrupção. A espionagem clandestina, uma praga histórica no país, está deixando de ser uma atividade de bandidos para transformar-se em rotina institucional que não poupa ninguém - nem o Nosso Guia.
Há um tremendo descontrole interno e um disse-me-disse. Nosso Guia chegou disposto a demitir o ministro da Justiça, Tarso Genro - e por que ainda não o fez? -, no mínimo porque é incapaz de pacificar a Polícia Federal. O presidente atribui o descontrole das escutas ilegais às brigas de grupos na PF e na Abin. Agora que caiu a ficha? Em ambos há poderes paralelos se digladiando. Ele postergou a decisão da demissão porque se convenceu de haveria "digitais" da Abin no grampo ilegal do presidente do STF.
Não se pode dizer com certeza quem fez as escutas ilegais no gabinete do presidente do STF, mesmo usando os mais modernos equipamentos, nem de quem partiu a ordem, muito menos é possível detectar com precisão o uso pretendido do material. Ou se isso é coisa de investigadores privados contratados por empreitada. Durma-se com um barulho desses.
Numa história dessa, em que vale o preceito da presunção de culpa, não da inocência, todos são alvo de desconfiança. Inclusive o governo - aí entendido como Poder Executivo. Na verdade, o governo é o suspeito número um. Por uma questão de lógica: das quatro hipóteses, três guardam relação direta com a instância oficial e uma tem ligação indireta. E o tal general Jorge Felix, enfiado em seu labirinto, apresenta-se afirmando que só podem ter sido "coisas" feitas para desmoralizar a Abin e a PF.
A Abin só tem "analistas" e já não dispõe de agentes treinados pra invadir gabinetes como os do STF. A cúpula da Abin foi afastada para dar satisfação à opinião pública e porque Nosso Guia tem certeza: nada será provado contra a agência. Não quero dar uma de Hierofante, mas acho que vem aí, em retaliação, um novo surto de vazamentos de informações sigilosas envolvendo figuras importantes.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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