segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Grampos, vazamentos & Cia. Ltda

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

Vazamentos de informações podem ser de grande utilidade para o jornalismo e para o público.
Um dos melhores momentos da história do jornalismo, o caso Watergate, que acabou com a renúncia do presidente americano Richard Nixon, não teria ocorrido sem vazamentos.
Mas, como tudo, quando eles são usados de maneira exagerada e sem discernimento, provocam malefícios, tanto à profissão quanto à sociedade.
O jornalismo brasileiro sofre há muito tempo de excesso de condescendência com grampos e vazamentos, utilizados com pouco ou nenhum senso crítico e sem cuidados elementares que precisam ser observados em situações que colocam em risco reputação de pessoas, empresas e entidades e até a estabilidade institucional do país.
Na semana passada, mais uma vez, um grampo provocou manchetes que prenunciam revelações sensacionais, mas tendem a se desvanecer, sem esclarecimentos sobre o que as provocaram, até caírem no esquecimento.
Há algo de profundamente errado nesses ciclos sucessivos, que distraem e fatigam a opinião pública, desviam energia de debates fundamentais de políticas públicas, acirram a rivalidade rancorosa entre simpatizantes de correntes políticas antagônicas.
Neste caso do grampo no STF, a Folha, outra vez, tem se limitado a recolher, registrar e repercutir informações e declarações. É claro que ela não poderia ignorar a notícia.
Mas deveria escolher uma das seguintes alternativas: manter distanciamento crítico para dar a devida dimensão ao fato, investir pesadamente para apurar o que ocorreu independentemente do que dizem vazadores e autoridades ou esclarecer ao leitor quais são os interesses que estão em jogo. Ou, melhor ainda, fazer essas três coisas ao mesmo tempo.
A tal gravação pode ter sido feita pela Abin, por alguém da Abin de moto próprio, pela PF, por alguém da PF por iniciativa individual, pelo Senado, por particulares. Por que não tentar apurar com todo vigor todas as alternativas, em vez de se restringir a reproduzir o que os personagens dizem?
No caso Watergate, o "Washington Post" adotou e seguiu rigidamente dois mandamentos básicos: nunca publicar nada que tivesse sido divulgado por outro veículo de comunicação, a não ser que fosse verificado e confirmado autonomamente pelos seus próprios repórteres; qualquer informação passada por uma fonte que quisesse permanecer anônima tinha de ser corroborada por pelo menos outra fonte independente (de preferência por duas ou três).
Essas exigências deveriam ser obedecidas estritamente sempre. Assim como outra, recomendada há 21 anos pelo Twentieth Century Fund, uma ONG que se dedicou a estudar o fenômeno dos vazamentos: sempre identificar o interesse ou o grupo político com que o vazador se identifica.
O leitor tem o direito de saber qual é o objetivo de quem vaza, ainda que seu nome seja preservado. Conhecer a motivação da fonte é um elemento essencial para o leitor poder julgar a informação que recebe.
Neste caso atual: por que o tal vazador da Abin resolveu agir? A quem ele é ligado politicamente? Quem potencialmente se beneficia ou é prejudicado com o vazamento?
São questões fundamentais para entender o problema. Sem resposta a elas, tudo se resumirá a muita espuma e pouca substância, como em várias outras situações similares no passado.

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é ombudsman da Folha de S.Paulo.

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