terça-feira, 26 de agosto de 2008

Um caso olímpico de exagero

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

O leitor Marcos Tafuri observou as edições eletrônicas de diversos jornais diários pelo mundo, constatou que o destaque e espaço dados aos Jogos Olímpicos em outros países, inclusive os que têm grande tradição esportiva, como os EUA, foram menores do que no Brasil, e escreveu ao ombudsman sobre a cobertura da Olimpíada:
"Acredito que o nosso mercado publicitário, por carecer de maior poder econômico, vê em eventos grandiosos como a Olimpíada uma chance preciosa para comercializar seus espaços. Daí, as empresas de comunicação, para justificar esta demanda puramente comercial, criam em nosso imaginário a "importância da Olimpíada". Tudo bem. Mas há um porém nesta história. O leitor de jornal, por natureza, é um ser crítico. Em sua natureza crítica, por vezes, ele sente traído quando jornais respeitados, como a Folha, o tratam como um idiota."
Pode não ser este o motivo, mas de fato os meios de comunicação de massa brasileiros, inclusive este, inflaram demais os Jogos de Pequim, muito além provavelmente do interesse real do público em relação a eles.
Para mim, nada foi mais simbólico dessa desproporção do que o alto da primeira página da Folha de domingo passado. Em quatro colunas, estavam a imagem de Michael Phelps e a notícia de sua oitava medalha de ouro; em duas colunas, a foto e a informação sobre a morte de Dorival Caymmi.
Aposto como daqui a poucos anos (se tanto) a relação entre os brasileiros sabedores de quem foi Caymmi e Phelps será inversa ao espaço que o jornal dedicou a ambos: pelo menos o dobro de pessoas reconhecerá o compositor e não o atleta.
Poucos eventos noticiosos são mais complicados jornalisticamente do que a Olimpíada, especialmente esta, na China, no outro lado do mundo, com diferença de fuso de 11 horas. O jornal investe pesadamente para mandar uma grande equipe e é natural que queira ver o máximo resultado desse investimento nas suas páginas.
Embora o resultado final não tenha sido negativo em termos de informação, os exageros foram evidentes. Era mais do que antecipado que Michael Phelps ganharia muitas medalhas.
Mas desde a primeira o jornal lhe deu tanta importância, que no fim já não sabia mais o que fazer para ser diferente. Chegou a afogar sua imagem em letras em foto coberta por palavras.
A hipérbole foi a nota dominante desde o início, com a cascata de adjetivos retumbantes que descreveu a festa de abertura.
O que mais mobilizou leitores, no entanto, foi a foto de Diego Hypólito, publicada na capa do dia 18. Onze escreveram para se queixar dela e a consideraram desrespeitosa, humilhante.
Não concordo. A foto registra um fato. O instantâneo mostra a perplexidade do atleta que esperava vencer. Mas ganhar e perder são parte da competição. Conforme aforismo indiano, "para quem luta com os grandes, até a derrota é honrosa".
O tratamento dado pela mídia à Olimpíada em parte reflete a expectativa social de que só vencer importa, quando o espírito olímpico originalmente é o contrário.

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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2008.
Artigo disponível na Folha de S.Paulo de domingo (24).

Um comentário:

J.BOSCO disse...

Copa do Mundo e jogos olímpicos são momentos de alienações para os países pobres,é nessa hora que a poeira vai para debaixo do tapete.Vamos ter uma copa do mundo na África, um continente que nem futebol conhece,a não ser a miséria, mas o evento será de suma importância para o governo.
abs