quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ministério Público não pode "mandar" arquivar ação

Numa postagem feita ontem, o blog estranhou trecho de matéria da Folha de S.Paulo, informando que o Ministério Público “mandou arquivar ação de improbidade administrativa”.
A estranheza era procedente.
O Ministério Público – Federal e Estadual -, conforme se observou, já tem poderes bastantes, muitos deles claramente definidos inclusive em âmbito constitucional. Mas ainda não tem, pelo menos até agora, poderes para determinar, mandar, ordenar o arquivamento de uma ação.
E quem confirma o Espaço Aberto é ninguém menos que o procurador de justiça aposentado Ismaelino Valente, que faz não um esclarecimento, mas dá uma aula – didática, prática, perfeitamente inteligível – sobre como o MP atua na condução de inquéritos, procedimentos administrativos e ações que tramitam no Judiciário.
Abaixo, a aula do dr. Ismaelino – que não cobrou nada, vale dizer.

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Suas dúvidas quanto ao "poder de arquivar" do Ministério Público são pertinentes. Mas talvez a Folha tenha errado ao narrar o fato, pois, em vez de “ação”, é possível que se trate de “inquérito civil” ou "peça de informação". Na verdade, quanto ao poder de arquivar "peças informativas" (= inquérito policial, inquérito civil, procedimento administrativo preparatório, representação, reclamação, etc.) conferido ao Ministério Público, de acordo com as leis em vigor, observa-se o seguinte:

I. Em matéria penal:

1. O Promotor de Justiça não determina o arquivamento do inquérito policial ou representação criminal do ofendido, mas requer ao juiz o arquivamento dessas peças, se não servirem de base para o oferecimento da denúncia (Código Penal, artigo 28). O arquivamento das peças informativas não impede novas investigações se novas provas surgirem (idem, artigo 18).
2. Nos casos de atribuição privativa do Procurador-Geral de Justiça, este pode determinar o arquivamento do inquérito policial ou representação criminal do ofendido, quando inviável a propositura da ação penal. E este seu ato não está sujeito à revisão de quem quer que seja (Lei nº 8.625/93, artigo 29, VII).


II. Em matéria cível ou de improbidade administrativa:

1. O promotor de Justiça pode promover o arquivamento do inquérito civil ou do procedimento administrativo preparatório (Lei nº 7.347/85, artigo 9º, caput). Mas este seu ato deverá ser imediatamente submetido ao reexame obrigatório do Conselho Superior do Ministério Público (idem, artigo 18, § 3º).
2. O mesmo se aplica ao inquérito civil ou procedimento administrativo preparatório de atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça, pois a Lei nº 7.347/85 não distingue entre a promoção do arquivamento feita pelo Promotor de Justiça ou pelo Procurador-Geral de Justiça.
Quanto à ação - quer penal, quer civil -, o Ministério Público não pode determinar e nem mesmo requerer o seu arquivamento. Como se trata de matéria de ordem pública - já que a ação proposta pelo Ministério Público é sempre de natureza pública -, uma vez proposta a ação o Ministério Público dela não pode sequer desistir. Quer dizer: uma vez ajuizada a ação pública, o MP tem que ir até o fim.

Outra coisa: havia um prazo de 90 dias para a conclusão do inquérito civil instaurado pelo Ministério Público. Para contornar essa exigência, os Promotores de Justiça passaram a instaurar "procedimentos administrativos preparatórios ou investigatórios", sem prazo algum para ser concluído. O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 23, de 17/09/2007, e acabou com isso: agora, todo procedimento administrativo preparatório instaurado pelo Ministério Público tem que ser concluído em 90 dias, prorrogáveis, por motivo justificado, uma única vez e por igual período; e o inquérito civil deve ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo, quantas vezes for necessário, mediante decisão fundamentada, ciente o Conselho Superior do Ministério Público dos Estados ou, na esfera federal, a Câmara de Revisão ou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, aos quais cabe aferir a justa causa para a prorrogação desse prazo. A prorrogação do prazo é uma exceção. Espero que não se transforme em regra. Por que será que o MPF levou quatro anos para dizer que a farra dos filhos do Lula com jatos da FAB não configurava improbidade administrativa?

Ismaelino Valente
Advogado e Procurador de Justiça aposentado

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