Neste Brasil de contrastes - muitíssimos -, até o nível dos decibéis serve como parâmetro para se medir não a altura do som, mas a distância entre classes sociais.
Ao que parece, os três pês (preto, pobre e prostitua) não sofrem apenas os rigores da lei mais do que o restante; o som que eles produzem, ao que parece, costuma incomodar bem mais do que o som produzido pelo restante.
Senão, vejamos.
O Portal ORM informou ontem que três pessoas foram presas em Salinas, em flagrante, durante uma operação chamada Zumbido, que combateu a barulheira durante as férias de julho, no balneário. “Sob comando da delegada Wildenyra Lima, os policiais encerraram as atividades de um bar situado na periferia da cidade”, diz a informação no Portal.
O bar da periferia da cidade foi compelido por força policial a encerrar suas atividades porque passara de todos os limites. Os policiais encontraram uma aparelhagem sonora com volume em 83,5 decibéis e, além disso, enfrentaram agressiva resistência dos freqüentadores do bar, que chegaram a atirar garrafas de vidro na equipe que fazia a diligência. Por isso é que três pessoas presas não apenas porque extrapolaram nos decibéis, mas por desacato, tentativa de homicídio e resistência à prisão.
Tudo certo? Tudo certo. Aliás, certíssimo.
O bar na periferia da cidade tinha mesmo que ser fechado. E se alguém excedeu-se em resistir à diligência pessoal, então precisará ser indiciado para responder pelos crimes que eventualmente cometeu.
Mas isso foi, como bem registrou a notícia do Portal da ORM, na periferia da cidade, na periferia de Salinas.
Salinas não é apenas periferia, contudo. Salinas, em julho, tem áreas resplandecentes daquilo que alguns de nossos colunistas – muitos ontem, alguns hoje – chamam de gente bem nascida. Ou são rebrilhantes em expressões da nossa melhor sociedade, ou ainda de celebridades do crème de la crème da sociedade – da bem-nascida sociedade, por evidente.
O Atalaia, por exemplo, é uma dessas áreas. Das áreas nobres de Salinas, que fica na periferia, distante do centro, mas que é freqüentada por gente que não é, claro, de periferia.
E com a mais absoluta certeza, se dois três carros que põem seus sons nas alturas enquanto estão na praia da Atalaia se unissem na agressão aos ouvidos alheios que estão às proximidades, com a mais absoluta certeza a soma dos decibéis ultrapassaria, de goleada, os 83,5 do bar da periferia que foi fechado pela diligente equipe policial da Operação Zumbido.
Ainda ontem, o poster perguntou a seis pessoas que passaram o mês de julho em Salinas e freqüentaram todos os dias a praia do Atalaia se havia, como sempre houve, muitos carros na praia com o som nas alturas.
Todos, sem nenhuma exceção, confirmaram: a praia bamburrou de carros cujos proprietários, em espetáculos explícitos de exibicionismo, desrespeito e imbecilidade, mantinham o volume de suas caixas de som nas alturas.
E os incomodados que se afastassem. Como os incomodados não tinham para onde se afastar, ficavam onde estavam, submetidos aos decibéis insuportáveis – e às músicas, idem – de exibicionistas que se comprazem em se exibir, mas que nunca encontram limites para a exibição; sempre estão à procura de um jeito para que alguém note que estão se exibindo.
E aí? A polícia deu uma passadinha pelo Atalaia? Autuou alguém? Fiscalizou? Mandou os exibicionistas pararem de se exibir à custa dos ouvidos alheios? Apreendeu aparelhagens motorizadas? Indiciou alguém por desacato?
Sua Senhoria a delegada Wildenyra Lima tem que índices, que números, que balanços a oferecer sobre a eficácia da Operação Zumbido na praia do Atalaia? Ou a Operação Zumbido limitou à periferia da cidade, aos arrabaldes de Salinas?
Dá ou não para desconfiar que o som da periferia incomoda mais só porque é som de periferia?
2 comentários:
Pertinente e corretíssima a sua apreciação.
Também fui "vítima" desses ensandecidos "porcalhões do meio ambiente".
Tentando fugir desses treme-terra automotivos que normalmente estacionam para o lado direito do Atalaia, me "refugiei" com a família indo para o lado esquerdo rumo ao chamado Farol Velho.
Puro engano; algum tempo depois chegou não um, mas dois malucões em suas pickups e seus sonoros; acabou-se a paz e a tranquilidade!
Instalaram-se e logo em seguida "brindaram" o distinto público com aberrações musicais em altíssimos decibéis, certamente imaginando que nossos ouvidos eram vasos sanitários.
Sim, pois além do alto volume, tivemos de suportar a "programação musical" na base do "Créu, créu, créu" durante hooooras intermináveis!
Não satisfeitos, passaram à segunda parte da agressão ao meio ambiente, comendo , bebendo, e transformando a praia em lixão a céu aberto.
Em torno da barraca onde estavam os figurões, uma trilha de restos de comida, latas e garrafas de bebida e tudo o mais.
Um show de porcaria!
Como bem disse o post, não tivemos escolha, ficamos alí, vítimas de insensatos malucões que fizeram o que bem entenderam sem que nenhuma Operação Zumbido ou Operação Sugismundo lhes viesse incomodar.
Ninguém escapa, Anônimo. Ninguém escapa.
As pessoas confundem espaço público com casa-da-mãe-joana.
Ao contrário, há mais restrições no uso do espaço do que na casa da gente.
Por isso é que há essa zorra. Ou essa zona. Em pleno espaço público.
O blog vai postar seu comentário na ribalta, no início da tarde.
Abs.
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