segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A abissal desigualdade de renda


SERGIO BARRA

Qualquer cidadão tem o direito democrático de expor suas opiniões, inclusive o general Antonio Hamilton Mourão. Inconcebível é o uso de um cargo público para defender abertamente uma intervenção militar. Não é do dia para noite que se tira o País da bancarrota e a indústria minguada. Os sacrifícios do governo em prol das elites destroem as riquezas nacionais. É do conhecimento de todos que os golpes militares no Brasil não se deram com a reação no poder. Temos na conta de todos os brasileiros o golpe bem sucedido, desfechado em 1964. Rasgaram a Constituição e desmontaram o Estado. Essa infeliz ditadura durou exatamente 21 anos e deixou passagens amargas. Esse chamamento feito sem verniz de retoques desbota ante as evidências. Com certeza, depois dessa fala precipitada, o general Eduardo Villas Bôas (na imagem) prova quem manda no Exército. Mas intolerável mesmo é a distribuição de renda e os programas sociais.
A imensa desigualdade de renda continua, sem dúvida, a ser o traço definidor no País. Nos idos de 2014, o Brasil parecia disposto a se reconciliar com os estratos mais vulneráveis da população. A ONU celebrava, em seu relatório de segurança alimentar, a exclusão do País do mapa da fome. Assim, na virada do século XXI, mais de 15 milhões de brasileiros haviam superado o drama de uma alimentação deficitária. A despeito do imaginável avanço social, a redução das disparidades de renda e patrimônio, foi muito tímida, quase imperceptível. A realidade é que a grande concentração de capitais no topo da pirâmide social permaneceu inalterada. Apenas 5% da população, os mais ricos, recebem mensalmente o mesmo que os demais 95%. A desigualdade patrimonial é igualmente escandalosa.
Além disso, e por ser um problema de natureza complexa, a desigualdade não tem uma única causa, tampouco uma solução mágica, observa o sociólogo Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade de Brasília. Em grande medida, o nível educacional da atual força de trabalho foi determinado pelos investimentos em educação nas décadas de 1970, 1980 e 1990. E a distância salarial entre profissionais com ou sem ensino superior pode chegar a mais de 200%, segundo estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Há um conjunto muito grande de fatores com influência sobre o fenômeno. Não existe dúvida, porém, de que uma parte muito grande da desigualdade no Brasil é causada não pela diferença entre pobres e o resto, mas pela diferença entre ricos e o resto.
É interessante que se entenda o que faz os ricos serem ricos. De um lado, eles têm elevada escolaridade, propriedades e acesso ao capital, o que lhes confere melhores oportunidades. Há, porém, outros fatores inaceitáveis do ponto de vista ético e moral. Os ricos, especialmente os muito ricos, beneficiam-se de um conjunto de privilégios, digamos assim, gigantescos nas relações com o Estado. Então, um dos pilares da abissal desigualdade no Brasil é o regressivo sistema de tributação, “amigos dos super-ricos”. E reestruturar o sistema tributário não é tarefa simples.
Na verdade, é nesse labirinto encrencado que a sociedade brasileira colhe o desastre que plantou, por ter açodadamente embarcado numa aventura antidemocrática iniciada um dia depois das eleições presidenciais de 2014. Pesquisas recentes revelam que a democracia no Brasil nunca esteve tão desvalorizada como agora. Estudo do Fórum Econômico Mundial com 137 países revela que o Brasil é aquele onde a sociedade menos confia nos seus políticos. A questão, agora, é como sair desse emperrado entroncamento.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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