quarta-feira, 24 de maio de 2017

Vazamento de conversa de jornalista une a Imprensa

“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Não é preciso ser expert em interpretação de texto para compreender claramente que o inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal protege o direito de um profissional – um jornalista, por exemplo – em ter a sua fonte preservada. Isso, porém, não aconteceu hoje com Reinaldo Azevedo. Conversas telefônicas dele com Andrea Neves, irmã de Aécio Neves (PSDB-MG), foram tornadas públicas pela Procuradoria-Geral da República. O caso, que coincide com a saída do colunista da Veja e da Jovem Pan, serviu para unir a imprensa em torno da defesa dos direitos e das garantias fundamentais para quem atua na área.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) foi a primeira entidade a se posicionar sobre o vazamento da conversa entre o jornalista e a irmã do político tucano. A entidade avalia que a postura da PGR, órgão sob comando de Rodrigo Janot e que anexou a transcrição do diálogo gravado pela Polícia Federal (PF) ao inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), representa “violação do sigilo de fonte”. A instituição registra, ainda, que a divulgação do telefonema entre o colunista e Andrea Neves “ocorre no momento em que Reinaldo Azevedo tece críticas à atuação” da procuradoria. “Sugerindo a possibilidade de se tratar de uma forma de retaliação ao seu trabalho”, afirma a Abraji em nota oficial.
“A Abraji considera que a apuração de um crime não pode servir de pretexto para a violação da lei, nem para o atropelo de direitos fundamentais como a proteção ao sigilo da fonte, garantido pela Constituição Federal”, critica a entidade presidida por Thiago Herdy. A associação cita a reportagem do BuzzFeed News, na qual consta que a PF não encontrou sequer indícios de crimes nas conversas de Reinaldo Azevedo com Andrea Neves, para embasar a análise de que, sim, a PGR errou. “A Lei 9.296/1996, que regula o uso de interceptações telefônicas em processos, é clara: a gravação que não interesse à produção de provas em processo deve ser destruída. O próprio Ministério Público, aliás, é que deveria cuidar para que isso aconteça”, lembra a instituição jornalística.
Companheiro de Reinaldo Azevedo na apresentação de ‘Os Pingos nos Is’, programa que deve ser encerrado pela Jovem Pan com a saída do analista político da emissora, Victor LaRegina usou o perfil que mantém no Facebook para criticar a decisão tomada pela equipe de Rodrigo Janot. “É de uma arbitrariedade sem precedentes a Procuradoria-Geral da República divulgar uma conversa de Reinaldo Azevedo com uma fonte”, publicou. O jovem apresentador ainda sugeriu ações por parte de colegas da mídia. “É um dever jornalístico repudiar esse ato ilegal e intimidador”, escreveu. Chefe de reportagem da CBN, Leopoldo Rosa concordou com a análise: “abre um precedente perigosíssimo para o ofício”, comentou.
Também pela rede social, o fato de abrir precedentes foi analisado por Carlos Andreazza, diretor do Grupo Editorial Record, apresentador do ‘3 em 1’ (Jovem Pan) e amigo do jornalista atingido pela ação da PGR. “Pessoal que tem compromisso com a liberdade, muito cuidado ao festejar a conversa entre Reinaldo Azevedo e Andrea Neves”, pontuou o profissional, que aproveitou o momento para explicar para quem não sabe: agentes da imprensa conversam com fontes. “Nada de comprometedor há ali. Nenhum crime. É diálogo de jornalista e fonte – algo absolutamente comum”. Assim como a Abraji, ele salientou que “Reinaldo não integra o processo em questão. Não é investigado. Não era o grampeado”.
“O que há de grave no caso, portanto, é a deliberada quebra do sigilo de fonte – algo sagrado para o livre jornalismo – sob o pretexto de conteúdo obtido em decorrência de encontro fortuito, resultando em material interessante à ação; quando, na verdade, por irrelevante, deveria ter sido descartado”, prosseguiu Carlos Andreazza, que, da mesma forma que LaRegina, registrou a sua crítica contra a Procuradoria-Geral da República. “Falei acima em cuidado – e isto é o importante agora – porque é o que devem tomar doravante todos os que criticam a atuação do Ministério Público”, publicou. “Isso é tentativa de intimidação. Hoje contra Reinaldo. E amanhã?”, questionou o diretor do Grupo Editorial Record.
Não foram só jornalistas vinculados à Jovem Pan ou próximos ao analista político que se posicionaram. Leonardo Sakamoto e Rodrigo Constantino – entre outros – também reclamaram da decisão da equipe de Rodrigo Janot. Mesmo criticando a postura adotada por Reinaldo Azevedo, sites como Diário do Centro do Mundo, The Intercept Brasil e Jornalistas Livres veicularam textos em que rebatem a decisão tomada pela PGR. “A divulgação da ligação de Reinaldo Azevedo é um grave ataque à liberdade de imprensa”, definiu, no título, o The Intercept Brasil em conteúdo assinado por Glenn Greenwald e Erick Dau. “Estado de exceção”, cravou Kiko Nogueira, no DCM. “Um ataque contra a liberdade de expressão é um ataque a todos”, garantiu o Jornalistas Livres.

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