quinta-feira, 16 de julho de 2015

Mitos e horrores. O maoísmo revelado numa obra-prima.

Ler “Mao - A história desconhecida” (Companhia das Letras, 816 páginas) não é apenas tomar contato com um dos personagens mais mitológicos e enigmáticos da história no Século XX, ainda que seja um dos mais conhecidos.
Ler essa obra magistral, talvez a mais completa já escrita nas últimas décadas sobre o líder chinês, é também conhecer aquilo que o subtítulo do livro indica: mergulhar em sua “histórica desconhecida” e conhecer os horrores, as coisas horrendas, os mitos, as mentiras, as invenções e ficções que se criaram em torno do maoísmo.
Foram 70 milhões de mortes. Repita-se: 70 milhões, o equivalente a pouco mais de um terço da população brasileira.
Foram 70 milhões de almas sacrificadas pela violência – brutal, cruel, selvagem – da tal Revolução Cultural, alçada à condição de instrumento de purificação ideológica e inspiradora de julgamentos públicos, de justiçamentos humilhantes, degradantes, feitos em praças públicas.
Foram 70 milhões de homens, mulheres e crianças mortos pela fome, pelo denuncismo frenético, por baixezas e vilanias as mais terríveis. E foram tão terríveis que ficamos nós, os leitores apresentados a essas realidades cruéis, sem saber ao certo como foi possível um regime como o maoísmo enganar, fora de suas fronteiras, tanta gente ao mesmo tempo.
E isso foi possível porque a China de Mao, distribuindo dinheiro a rodo para seduzir satélites não perfeitamente alinhados à Rússia de Stálin e desperdiçando energias humanas e mecânicas para atender à pretensão de seu timoneiro, de ser o maior e inconteste líder de todo o planeta, essa China, portanto, conseguiu transmitir a impressão de representava uma via alternativa de socialismo e seguia o idealismo e o espírito de aventura heróica que dominaram a Longa Marcha, prenúncio dos horrores que viriam a seguir, quando o regime nacionalista de Chiang Kai-shek foi suplantado pelo comunismo implantado por Mao.
Bobagem. Mito. Mentira. Puramente isso.

Abjeções e repulsas
Com uma narrativa objetiva, Jung Chang e seu marido, o historiador britânico Jon Halliday, estão longe de ser os observadores distantes, que se exibem com aquele ar blasé de apenas reportarem-se a fatos, indiferentes às suas repercussões e conseqüências sobre a vida das pessoas e o destino da humanidade. Não.
Eles deixam claro que também se enojam, que abjetam, que sentem repulsa aos fatos que colheram e fizeram questão de compartilhar com os leitores. Deixam claro que têm nojo ao extermínio de famílias, à imposição de que até grampos de cabelos das mulheres fossem requisitados para ajudar na construção da indústria metalúrgica chinesa. Expressam seu nojo ao confisco de alimentos que levou milhões (milhões, meus caros) de chineses à morte por inanição – literalmente.
Deixam claro suas simpatias por alguns poucos – pouquíssimos - integrantes do stablishment maoísta que ou se rebelaram contra o regime e tentaram derrubá-lo, como foi o caso do vice-presidente Lin Biao e do comandante do Exército, Liu Shiao-chi, ou então tiveram um pouco mais de habilidade política, mas não menos ousadia e coragem, para contrastar o poder único de Mao e levar o regime para direções menos selvagens, como foi o caso de Deng Xiao Ping.
Para escrever essa obra fundamental, Jung Chang e Jon Halliday entrevistaram centenas de pessoas, entre eles familiares e parentes de Mao, velhos amigos e colegas, secretários, intérpretes, guarda-costas, criados e médicos, além de testemunhas-chave de eventos históricos.
Os fatos apresentados no livro também se sustentam com base em documentos consultados em arquivos em vários países, entre eles Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Itália, Japão e Rússia.
 “Mao - A história desconhecida” é fundamental para que se compreenda a China. Inclusive a de hoje.
O Espaço Aberto recomenda.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não entendi o que foi "bobagem, mito, mentira".

Anônimo disse...

Meu caro.

Infelizmente discordo de você na avaliação do livro. Não consegui termina- lo. Por parcialidade de seus autores. Você deixa isso claro em teu comentário, quando coloca "... eles deixam claro que também se enojam, que sentem repulsa aos fatos que colheram e fizeram questão de compartilhar com os leitores...."

Entendo que biografias( e a de Mao é uma de fôlego e excelente pesquisa)devem ser imparciais, deixando ao leitor fazer o seu juízo, ainda que às vezes seja difícil, a exemplo do livro sobre Wilson Simonal. Ali, o autor narrou todos os fatos sobre o possível " dedo- durismo" do cantor , colocando diversos relatos, a favor e contra, mas não tirou nenhuma conclusão, deixando-a aos leitores.

A parcialidade dos autores emana já nas primeiras páginas, e seguem por todo o livro( creio que li uns 70% do livro e desisti) . Não defendo Mao, mas há de se reconhecer que ele implantou políticas que hoje se refletem no fantástico poderio chinês.

Já o livro o condena sempre, não reconhecendo nada de construtivo em sua trajetória. Será que um líder daquele naipe só fez o mal? De qualquer forma, é um livro que não deve ser desprezado por aqueles ávidos em entender melhor os processos geopolíticos mundiais.

E a propósito, a falta de água em São Paulo lhe passaria despercebida, vez que banho era coisa inexistente para ele, um hábito capitalista e burguês. Ao menos nisso estou de acordo com os autores. Um banhozinho de vez em quando não arruinará o império chinês.

Kenneth Fleming