Semana passada, uma notória ave de rapina quis entrar no Supremo. Gosta de carne. Mas suas garras imperfeitas a prender o alimento vivo os arremessa à podridão. Carcaças. A vida lhe é mais fácil na presença da morte. Passeia no meio da corrupção. Alimenta-se e sobrevive dela.
O urubuzinho sentiu de longe o forte odor palaciano. Há muitos focos naquele planalto. Muitos podres poderes, para lembrar o poeta. Porém, ali a comida era algo certo. Era algo supremo. Quase quarenta pratos. O banquete dos banquetes. Apaixonante. Capaz de gerar bate-boca entre os garçons de togas pretas. Quem serve primeiro o quê?
Toda a nação parou para apreciar a serventia. Mas a festa é demorada. Uma semana só para ler o cardápio. Outra para discutir os tipos de carne. O tempero. As formas de dissolução. Só depois, meses depois, cada coisa será provada e posta em julgamento. Então, será levada à mesa.
Aparentemente, o filhote de urubu será farto. Tudo pode ser próprio ao seu consumo voraz. Mas é preciso cautela: pode haver alguma carne íntegra. O chefe da vigilância já livrou dois: não há sinais de apodrecimento neles. Não servirão ao apressado visitante. E pode haver mais gente, quem sabe. O importante é apurar e depurar quem não presta a esse menu.
Uma coisa é certa: no Supremo deve existir carne podre. Urubus jamais se enganam. Há séculos, localizam cadáveres. Se voam detidos em certo lugar, é só aterrisarmos com eles. Desvendam até crimes! Enxergam de longe e respiram carniça. Sinalizam mercados e feiras. Enfeitam as torres do Ver-o-Peso. Não iriam se enganar agora.
Urubus fazem seus ninhos no alto. Nascido nas janelas do poder, o filhotinho conhece bem a sua casa. Foi chocado assim. Chocado assistindo a tudo. Por isso, subiu a rampa suprema. Convicto. Certeza de mesa farta. Só não contava com os guardiães da corte, que o retiraram de cena. Que pena! Fez pose dramática perante a justiça cega.
Estômago forte. Ácidos capazes de separar a morte da vida. Eis o dia-a-dia de nosso corajoso urubu. Requintado, quis logo a carne dos nobres. Não deu. Por enquanto, terá de aguardar o processo. Mas a expectativa é boa. Enquanto isso, precisará dar umas voltinhas. Voltar ao berço-janela. Espiar outros sinais de podridão. Não lhe faltará comida.
É certo que os guardas supremos deixaram nosso herói em área “apropriada”. Mas ele escapou logo e voltou ao topo dos prédios. É um urubuzinho estranho, capaz de achar comida entre brancos colarinhos. Grã-fino.
Aqui, da planície, torcemos pelo nosso valente urubu. Você fez o que não podemos. Teve coragem, subiu a rampa e quase chega lá. Tem nada não, bichinho! Vale a pena esperar mais um pouco. Se cansar do cardápio federal, faça uma visitinha pelos estados, milhares de municípios. A comida não é tão nobre, mas dá pro gasto. De fome, você não morre, garanto.
Completado o tempo, volte às terras altas. Precisamos saber o fim daquele seu festival gastronômico. Assim, você enche a pança, enquanto purifica o ambiente. Confiamos naqueles garçons. Mas não se esqueça que o chão do planalto é um território enigmático. Ele pode virar o jogo. Culpar inocentes e servir quem ainda presta. Em tudo, esteja pronto, rapaz. Reveja seus gostos depressa. Quem sabe, lhe servirão pizza!
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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br
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