sexta-feira, 9 de abril de 2010

Evangelho descartável


A indústria dos descartáveis chegou ao altar de algumas igrejas. Chegou para substituir a originalidade da mensagem bíblica e contribuir com o depósito de lixo no planeta. Num mundo de valores flutuantes, já era de se esperar que elementos eternos fossem embalados em plástico.
O evangelho descartável apresenta uma mensagem para cada ocasião. Varia de acordo com a necessidade do povo. Indiferente ao corpo de doutrina da Palavra, evita seus temas basilares. Nada de santificação, Ressurreição ou Juízo Final. Nada de assuntos “espirituais”. Seu interesse está no mundo físico. Seu foco, em riquezas, fama e sucesso.
Para pregar esse evangelho, novas igrejas montam as conhecidas "correntes" ou “campanhas” de fé. São verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, a que pessoas simples atribuem cegamente poderes miraculosos. Assim, a cada semana, o povo será convidado a passar pela “Porta dos Milagres”, mergulhar no “Tanque de Betesda” ou simplesmente rodear as "Muralhas de Jericó". Nada sem um bom ingresso disfarçado de oferta.
Esse evangelho perneta apresenta uma mensagem rasa que não desce ao interior da alma. Não se preocupa com as verdadeiras questões da existência. Não investiga a eternidade. Interessa mesmo tirar máximo proveito de circunstâncias adversas. Doença, desemprego e questões familiares são o foco das pregações. Evangelho perneta. Não se aplica a sociedades ricas nem conduz ao Céu. Um bom governo bastaria para esvaziá-lo
Como pregação descartável, esse tipo de evangelho tem data de validade: dura até o final da campanha. Dura enquanto durar o estoque de argumentos de seus criadores e também a reserva do “campanheiro”. E, caso o fiel não receba a graça desejada, fique de antemão avisado que não haverá devolução de ofertas. Deu tudo e ainda faltou fé. Se não receber o apregoado milagre, sairá da última reunião sob acusação de incrédulo.
O lixo desse evangelho descartável está na montanha de materiais que ele produz. Portas da felicidade, cortinas brancas para trazer paz, velas, sal grosso para exorcizar o Mal, arranjos de flores para o amor, bottons com dizeres mágicos, miniaturas de livros, chaves que abrem todas as portas, garrafas com banhos, flores de plástico... enfim: um mundo de bugigangas capazes de encher depósitos. Capazes de suscitar invejas de nossos irmãos seguidores de cultos afro.
Então, caso o milagre não acontecer com a vela, guarde-a, porque semana que vem haverá flores. Falhando, esqueça: começou a campanha da muralha de Jericó. Você a rodeará durante sete dias e, ao cabo deles, todos os seus problemas terminarão. Evangelho descartável!
Interessante como o ser humano gosta de superficialidades! Apresente Deus, e muita gente torcerá o nariz. Embale-o com plástico, e multidões se arrastarão atrás de religiosos depositários de ofertas de campanhas. No mundo de hoje, vale o descartável.
Quando fui designado para dirigir certa igreja, alguns logo me avisaram: "O povo ali gosta de campanhas". Respondi que Deus me chamou para pregar o Evangelho e que não me impressiono com número. Não deu outra: mal abri a Bíblia, o povo começou a debandar. Poucos estavam interessados no verdadeiro Evangelho. Queriam prosperar a todo custo e rápido. Gente que nada fez pela vida agora vivia suspirando pelos carros alheios e bons salários.
Não precisei dizer muita coisa. Apenas que, se alguém quisesse ser próspero, servisse a Deus, trabalhasse e estudasse. Nada de evangelho descartável.
Não preciso dizer que quase fiquei sozinho.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto.
Pura verdade.

Alcyr Lima disse...

Que reflexão! Pastor Rui seus textos são excelentes. Parabenizo-o pela coragem e e pela lucidez. Religião não é negócio. Infelizmente, os espertos sabem enganar os incautos, os necessitados e os desinformados. Abraços.