CHICO SANTA RITA
Em artigo nesta Folha ("Tendências/Debates", 11/8), o consultor político Ney Figueiredo afirma que "a influência do horário eleitoral gratuito é cada vez menor, embora ele seja o maior devorador de gastos".
O consultor é um grande estudioso do tema, um teórico competente, mas talvez lhe falte a prática do dia-a-dia das campanhas, nas quais, Brasil afora, tenho encontrado uma situação exatamente oposta.
Não me envolvo nas questões de gastos, mas se sabe que o grande sumidouro de dinheiro está nos "acordos" políticos e nas mobilizações de rua.
A propaganda eletrônica -TV e rádio- fica num plano abaixo e tem custos facilmente dimensionáveis. Quanto à influência que ela exerce, o que vejo nesta eleição, atuando em quatro campanhas, é que ela continua sendo o grande diferencial.
Também foi o que vi na eleição anterior, dois anos atrás, em consultorias para eleger dois governadores, uma senadora e vários deputados. E coloco, como testemunho ainda mais eloqüente, o desempenho do "Não" no referendo sobre a venda de armas, campanha que também dirigi. Ali, o desmanche da mentira de um desarmamento que não desarmaria ninguém ocorreu inteiramente devido ao horário eleitoral gratuito, que abriu oportunidade para que os dois lados apresentassem seus argumentos, antes concentrados na visão unilateral difundida pela Rede Globo -a história completa está no livro "Novas Batalhas Eleitorais" (2008).
Na sua argumentação, Figueiredo coloca como exemplo destacado a campanha de 1990 no Estado de São Paulo, quando Maluf acabou destroçado pelo quase desconhecido Fleury, cujo único trunfo inicial era o apoio de Quércia. Como artesão da campanha vitoriosa, posso garantir que a proeza teve como causa majoritária exatamente a programação do horário eleitoral gratuito.
Até um fato citado no artigo -Maluf levou seu Programa de Governo para ser avalizado pelo então presidente Collor-, que teria sido negativo para o candidato, só teve repercussão porque foi apresentado e discutido no horário eleitoral. No de Maluf, como atitude de união entre governos. No de Fleury, como subserviência de um Estado que, "pela sua importância, não se podia curvar, não podia abaixar a cabeça, fosse para quem fosse, até mesmo para o poder central" - conforme escrevi no livro "Batalhas Eleitorais" (2001).
A mídia normal nem participou da polêmica. E outra particularidade dessa campanha foram os movimentos de ir/ não ir aos debates da TV. Mas também aqui o duelo travou-se no horário eleitoral. A realidade nas campanhas que tenho operado continua a mostrar um país de iletrados, onde a TV acaba sendo o grande veículo de comunicação. E, dentro dela, o horário político eleitoral tem papel preponderante para apresentar as alternativas ao eleitor. A internet e outros meios estão ganhando espaço, mas sua importância é relativa, pois atingem um público em geral com a cabeça feita, orientada em determinada direção.
No início deste mês, em Uberlândia, segunda maior cidade de Minas Gerais, uma pesquisa nos apontou um número de "indecisos" acima do normal. Voltamos às ruas para perguntar a razão da indecisão, e a resposta majoritária não surpreendeu: "Nós estamos esperando que os candidatos apresentem suas propostas... nos programas eleitorais do rádio e da televisão".
Queira ou não, a intelligentsia brasileira, esse espaço cedido aos partidos e candidatos, apesar de muitas aberrações que teimam em acontecer (muitas vezes acobertados por uma legislação eleitoral sabidamente deficiente), foi um importante fator na redemocratização do país, dando vez e voz às chamadas "oposições".
Também é ali que a classe média e, principalmente, os mais carentes e desassistidos buscam orientação e informação para guarnecer seu voto. Um voto, aliás, que tem ficado cada vez mais consciente, mais crítico, melhor definido, graças às lições que os acertos e os erros do horário eleitoral transmitem. Ele é o caminho que faz a diferença e que vai nos ajudar, eleição após eleição, através de uma população culturalmente em evolução, a chegar a uma politização mais próxima do ideal.
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CHICO SANTA RITA, 63, é consultor em marketing político. Dirigiu mais de cem campanhas, entre elas, a de Fernando Collor de Mello à Presidência da República. Nestas eleições, dirige campanhas nas cidades de Uberlândia (MG), Campo Grande (MS), Macaé (RJ) e Rio das Ostras (RJ).
Artigo disponível na Folha de S.Paulo
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