quinta-feira, 15 de abril de 2021

A constitucionalidade da taxa de fiscalização mineral


O Supremo Tribunal Federal deverá julgar nas próximas semanas ações que discutem a constitucionalidade das Taxas de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM), ou simplesmente taxas minerais, instituídas pelos estados de Minas Gerais, Pará e Amapá. Tais tributos estão impugnados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4785 (Minas Gerais), 4786 (Pará) e 4787 (Amapá). Em julgamento pelo Pleno do STF está a ADI 4785, cujo resultado servirá como precedente para as demais.

As taxas estaduais têm a mesma estrutura jurídica: são criadas por leis estaduais com fundamento no artigo 23, XI, da CF, assumem a natureza jurídica de taxas em razão do exercício do poder de polícia e atendem ao limite objetivo do artigo 145, parágrafo 2º, da CF, já que tem por base de cálculo não o preço das operações com minérios (base tributada pelo ICMS), mas o volume de minério extraído.

O argumento principal dos que sustentam a inconstitucionalidade das taxas minerais apoia-se na suposta desproporcionalidade entre o valor arrecadado pelos estados e o custo da atuação estatal de fiscalização que seria a causa da instituição do tributo. Essa exegese funda-se em uma exegese equivocada da essência da taxa enquanto espécie tributária e da própria taxa sob análise.

Aliomar Baleeiro, o maior de todos os tributaristas brasileiros, legou-nos a lição segundo a qual "taxa é o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem a sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício, ou por ato seu, despesa especial dos cofres públicos".

E adiante afirma: "Quem paga a taxa recebeu serviço, ou vantagem: goza da segurança decorrente de ter o serviço à sua disposição, ou, enfim, provocou uma despesa do poder público" [1].

Dessa memorável lição do grande mestre, extrai-se, desde logo, que taxa não é só o tributo cobrado de quem se utiliza, ou tem a sua disposição, serviço público especial e divisível, mas também de quem provoca uma despesa especial dos cofres públicos.

Nessa perspectiva, a taxa é um corolário do princípio da igualdade no rateio do financiamento dos encargos públicos, a impor a quem gera uma despesa especial ao Estado, o dever de custeá-la.

Assim, a taxa não é tributo que objetiva apenas arrecadar recursos que permitam ao Estado custear o serviço público especial e divisível que é gozado ou colocado à disposição do contribuinte, mas também um tributo que, concretizando o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, impõe a quem gera uma despesa especial ao Estado o dever de responsabilizar-se pelo seu custeio.

Esse caráter especial da taxa como instrumento de repartição dos encargos públicos revela-se sobremaneira nas chamadas taxas de poder de polícia onde a atuação estatal não traz qualquer benefício direto ao contribuinte, pelo contrário, impõe-lhe ônus e deveres, para a proteção de interesses públicos titularizados pela coletividade, conforme a disciplina do artigo 78 do Código Tributário Nacional [2].

O primeiro critério na instituição da taxa deve ser a competência constitucional do sujeito ativo. É sabido que as taxas podem ser instituídas pela União, estados, Distrito Federal e municípios (artigo 145, II, CF). As causas da instituição podem ser o exercício do poder de polícia (as taxas de poder de polícia) ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (taxas de serviço) (artigo 145, II, CF).

É na Constituição Federal que se encontram as regras fundamentais de distribuição de competências administrativas dos entes federados, que podem ser privativas, comuns ou concorrentes (artigos 21 a 24 e 30).

Especificamente quanto ao tema da taxa ora tratada, estabelece a Constituição Federal (artigo 23, XI) ser da competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios a atividade administrativa de registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

Presente a competência administrativa na Constituição Federal, dúvida não resta quanto à possibilidade de todos os entes federados instituírem taxa com este fundamento constitucional.

Observe-se que a competência administrativa é dada em função de uma ação desempenhada por alguém, no caso, de quem recebe a concessão de direitos de pesquisa e explora recursos hídricos e minerais, e que, na visão da Constituição Federal, justifica, em contrapartida, uma atividade estatal. É esta atividade o critério justificador, no plano constitucional, do reconhecimento da competência dos entes federados para atuar sobre ela.

O segundo critério de aferição da validade de uma taxa é a necessária referibilidade entre a atuação estatal (e a despesa que ela representa) com o contribuinte escolhido pelo legislador. A escolha da sujeição passiva tributária deve atender a este critério de referibilidade.

A sujeição passiva para a instituição da taxa poderá recair sobre quem, atuando naquela parcela da realidade circunscrita ao exercício da competência constitucional, utiliza efetiva ou potencial, serviços públicos, específicos e divisíveis, prestados ou postos à sua disposição, ou se submete ao poder de polícia do ente federado, vale dizer, sobre quem gera uma despesa especial para o Estado com a sua atividade.

Em outras palavras, a ação que o ente federado vai desempenhar recairá direta ou indiretamente sobre o contribuinte. Esta ação poderá ser um serviço público específico ou divisível a ele referido (possível de ser financiada por uma taxa de serviço) ou, por outro lado, constituir em uma ação estatal de caráter mais amplo objetivando beneficiar terceiros indeterminados (a sociedade) já que apoiada no poder de polícia do Estado (taxas de poder de polícia).

Registre-se, desde logo, que a despesa especial do Estado gerada pelo contribuinte não exige em contrapartida a promoção de qualquer benefício em seu favor. Embora o benefício do contribuinte possa existir, como decorrência da despesa especial do Estado, é circunstância meramente acidental e não essencial para a instituição e a validade do tributo.

No caso das taxas de poder de polícia, normalmente o benefício por ela gerado é gozado pela coletividade e não pelo contribuinte já que, como deixa claro o artigo 78 do CTN, o objetivo último desta espécie de taxas é financiar a ação estatal na busca de assegurar a satisfação do interesse púbico e a concretização de direitos individuais e coletivos.

No caso das taxas de poder de polícia ora comentadas, a atuação estatal objetiva claramente atuar sobre a atividade de mineração, seja regulando, controlando, monitorando, seja praticando políticas públicas objetivas (que geram despesas ao poder público) que tenham por finalidade a satisfação dos direitos individuais e coletivos que são objeto do poder de polícia definidos no artigo 78 do CTN.

A referibilidade entre a taxa mineral e as empresas mineradoras está na necessidade da atuação estatal para o exercício do poder de polícia que não se limita à fiscalização, como alguns repetidamente afirmam equivocadamente, mas na persecução de todo o rol de interesses protegidos pelo conceito jurídico de poder de polícia presente no artigo 78 do CTN.

Para a proteção dos interesses referidos no artigo 78 do CTN, o poder público tem despesas públicas que devem ser custeadas por quem os deu causa, a saber, a atividade submetida ao poder de polícia estatal. Esse é o princípio geral que deve iluminar a instituição das taxas, como bem nos ensinou Aliomar Baleeiro.

O terceiro requisito de controle das taxas é a sua base de cálculo. A Constituição Federal (artigo 145, parágrafo 2º) expressamente proíbe a instituição de taxas que tenham base de cálculo própria de impostos.

As taxas minerais ora analisadas têm por base de cálculo o volume de minério extraído, critério quantitativo que não é adotado como base dimensível tributável por qualquer imposto do sistema tributário brasileiro. Assim, evidente a compatibilidade da base de cálculo escolhida pelos legisladores estaduais com a exigência constitucional.

O quarto requisito de controle das taxas é a proporcionalidade ou equivalência razoável entre o valor cobrado do contribuinte e a despesa pública gerada pela atuação estatal que a justificou. Esse é o argumento central daqueles que sustentam a inconstitucionalidade das taxas minerais.

Para se aferir a proporcionalidade do valor cobrado é fundamental a análise de dois pontos: primeiro, o ônus representado pela taxa para o patrimônio do contribuinte e segundo, a despesa estatal especial gerada pelo contribuinte que a taxa objetiva custear.

Quanto ao primeiro ponto — tamanho do encargo patrimonial representado para o contribuinte —, as informações constantes nas citadas ações diretas de inconstitucionalidade demonstram a irrelevância do montante da taxa em relação à receita e ao lucro decorrente da atividade submetida ao poder de polícia estatal.

Analisando os números da extração mineral no Pará e considerando apenas os minérios exportados (desprezando-se os que foram extraídos e vendidos no mercado interno), observa-se que o valor obtido pelos contribuintes atingiu a astronômica cifra de R$ 87,711 bilhões. Isso mesmo, mais de R$ 87 bilhões, ou seja, US$ 16,90 bilhões vezes R$ 5,19 (cotação do dólar em 31/12/2020) [3].

Segundo dados divulgados pelo estado do Pará [4], esse volume astronômico de extração mineral rendeu aos cofres públicos estaduais a título de taxa mineral o valor de R$ 541 milhões. Traduzindo, o que o estado do Pará recebeu a título de taxa mineral representa apenas 0,6% do valor dos minérios extraídos e exportados a partir do solo paraense.

Logo, nem o mais apaixonado defensor da inconstitucionalidade das aludidas taxas pode razoavelmente sustentar a desproporcionalidade de um tributo que representa 0,6% da receita do contribuinte, sobretudo quando destinado a custear políticas públicas de inegável interesse público [5].

Resta a análise do segundo ponto — a proporcionalidade do valor arrecadado em face da despesa especial gerada pelo contribuinte.

Conforme já assaz demonstrado, as taxas minerais objetivam custear a atuação estatal de poder de polícia sobre a atividade minerária desenvolvida pelo contribuinte, que não se esgota na mera fiscalização. Embora o nome da espécie tributária nada diga sobre a sua efetiva natureza jurídica (artigo 4º, I, CTN), as taxas de que estamos tratando denominam-se Taxas de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários.

As taxas minerais não são taxas de fiscalização semelhantes aos alvarás de funcionamento de estabelecimentos comerciais ou meras taxas de fiscalização de logradouros públicos, comumente cobradas pelas municipalidades e sobre as quais há farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Considerando a natureza da atividade de extração de recursos minerais, suas características locacionais, a relevância dos seus impactos ambientais, sociais e econômicos, as taxas minerais e o interesse público que objetivam proteger não têm paralelo no sistema jurídico pátrio.

A despesa pública especial gerada pela instalação de uma grande mineradora é incomensurável, tendo em vista a circunstância de que normalmente ocorre em lugares onde sequer existe povoamento, como são os casos dos grandes empreendimentos minerários no Pará. Essa despesa pública especial, por exigência do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, deve ser custeada por quem deu causa e não por toda a sociedade, obrigada ao pagamento dos impostos.

O controle, monitoramento e fiscalização da atividade minerária, sobretudo dos grandes projetos de mineração, é apenas parte da ação estatal que o Estado deve custear com a receita da taxa mineral, até porque o objetivo do poder de polícia é a proteção de interesses públicos que vão muito além daquelas ações administrativas, como deixa claro o artigo 78 do CTN.

Reduzir as taxas minerais a meras taxas de fiscalização é: 1) desconhecer o princípio geral das taxas segundo o qual quem gera uma despesa especial deve custeá-la, corolário inelutável do ideal de justiça representado pela igualdade na repartição dos encargos públicos; e 2) ignorar a norma do artigo 78 do CTN que deixa claro que a atividade de poder de polícia do Estado não se esgota na mera fiscalização de atividades econômicas, mas alcança todo o conjunto da ação estatal destinada, em último caso, à satisfação dos direitos individuais e coletivos.

Os grandes empreendimentos minerários, sobretudo no Pará, representam fonte de atração de pessoas e matriz para a criação desordenada de povoamentos que exigem a rápida intervenção estatal com políticas públicas de amplo espectro, que vão desde a segurança pública para o próprio empreendimento econômico até políticas de segurança social nas áreas da saúde, educação e assistência social.

Não desprezíveis são também os investimentos públicos em infraestrutura necessários para fazer face às demandas geradas pela mineração. Como poderá o Estado fazer controle, monitoramento e fiscalização de um empreendimento minerário se nem sequer estrada para chegar até ele existir, fato comum haja vista a especial característica locacional desta atividade exploratória?

Por todas as razões acima, não vemos qualquer inconstitucionalidade nas taxas minerais criadas pelos estados de Minas Gerais, Pará e Amapá, tributos que, além de atender a todas as exigências constitucionais, revelam-se de inegável necessidade e interesse público.

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