segunda-feira, 14 de julho de 2014

O califa do Estado Islâmico


Faz 3 anos que o conflito no Iraque foi amaldiçoado pelo governo de Barack Obama e, que, recentemente, foi reativado pela ofensiva dos rebeldes sunitas. Irã e Síria são também levados a reboque para o combate. Ao terminar oficialmente uma impopular intervenção militar, que durou oito anos e matou quase meio milhão de pessoas. Agora, os EUA estão de volta ao lodaçal que custou US$ 1,7 trilhão aos cofres americanos. Nos últimos dias, Obama se viu obrigado a aumentar seu apoio às forças de segurança iraquianas para conter o avanço de insurgentes sunitas no norte e oeste do País.
De volta ao atoleiro, o governo americano anunciou o envio de 300 forças especiais para auxiliar o Iraque. Muitos noticiaram a “proclamação de um Estado Islâmico” pela organização antes conhecida como “Estado Islâmico no Iraque e Levante – (EIIL)”, sem notar a contradição. Na verdade, o grupo se intitulou “Estado Islâmico no Iraque” desde outubro de 2006 e acrescentou o Levante à sua reivindicação em abril de 2013; seguiram conquistando cidades importantes, como Mossul, segunda maior do país, e Baiji, onde fica a maior refinaria de petróleo iraquiana, a caminho de Bagdá. Os EUA calculam em dez mil o número de militantes do grupo radical, que tem o objetivo de redesenhar as fronteiras da região e criar um Estado Islâmico entre Iraque e Síria.
Ademais, ao proclamar seu líder Abu Barkr al-Baghdadi como califa, ou seja, sucessor de Maomé e líder único do Islã, o “Estado Islâmico” se atribui também um caráter sagrado e autoridade religiosa para executar quem o rejeite. Na verdade, essa é a mensagem central da proclamação de 29 de junho (primeiro dia do Ramadã), fermentada por citações do Alcorão. Comparam-se com os conquistadores islâmicos do Império Persa e da maior parte do Império Bizantino, os jihadistas afirmam que restaurar o califado é uma obrigação religiosa e seria pecaminoso não cumpri-la, razão pela qual seu conselho elegeu para o cargo Al-Baghdadi, agora “califa Ibrahim” (seu verdadeiro nome), e exige que todos os muçulmanos jurem fidelidade e deem apoio ao suposto descendente da família do Profeta.
Contudo, políticos islâmicos moderados venceram muitas eleições depois da Primavera Árabe, aproximando-se do poder na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Marrocos. Eles solaparam a tese de militantes de movimentos como a Al-Qaeda de que só a violência oferecia esperança de mudança. Hoje, esses mesmos políticos estão em retirada frenética, de Riad a Rabat, bloqueados por seus adversários políticos, perseguidos por generais e caindo vítimas de complôs armados por monarcas enriquecidos pelo petróleo. Todavia, são os extremistas que estão em marcha, avançando sem oposição em regiões do norte da África e do Oriente Médio. Inclusive, já tomaram o controle de territórios na fronteira entre o Iraque e a Síria, em que manifestantes festejam a fundação do califado na sua capital Raqqa, Síria, e sonham estendê-lo por três continentes.
O Taleban, a Al-Qaeda e o Estado Islâmico são, de fato, criações pós-modernas, tão fruto de seu tempo quanto o foi Hitler, a despeito de seu fascínio por arcaicos mitos “arianos”. O califado refundado por Al-Baghdadi, embora recorra a títulos e símbolos dos primeiros tempos do Islã e punições igualmente arcaicas (como amputação de mãos de ladrões e crucificação de inimigos), seria impensável na Idade Média.
Com certeza é o lado moderno, não o “medieval”, que torna o Estado Islâmico e seu califa tão perigosos. Suas vitórias políticas e militares e seu discurso impiedoso o tornam poderoso catalizador da revolta de jovens sunitas no Oriente Médio e Europa e um polo de atração para militantes. Na Síria, Bashar al Assad desafiou as previsões de que seria derrubado, só não o foi porque extremistas entre os rebeldes entraram em confronto com os moderados pelo poder e pelo espólio. O “conflito maldito” voltou. Vamos aguardar o tamanho da encrenca.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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