Do Consultor Jurídico
No fim do ano passado, ao se deparar pela primeira vez com a dúvida sobre a liberdade do presidente da República em contrariar uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre extradição, a corte rachou. Por cinco votos a quatro, os ministros entenderam que o ato é discricionário, desde que respeite os tratados internacionais a respeito. O pedido de Extradição de Cesare Battisti, feito pelo governo italiano, levou a corte a julgar o tema pela primeira vez.
Embora apertada, a decisão agora parece ter se tornado a posição oficial da corte. Em acórdão publicado nesta terça-feira (20/4), os ministros decidiram extraditar um condenado à França. Dessa vez, porém, foram unânimes, e enfáticos. “Quem toma a decisão de extraditar, ou não extraditar, é o Presidente da República, sempre,” ficou definido na ementa da acórdão.
O julgamento de Battisti, carregado de conotação política, não foi referência só para os ministros. Nos argumentos da defesa de Daniel Santiago Santa Maria, condenado na França a 20 anos de prisão por tráfico de drogas, há alegações que usam interpretação dada pelo ministro Eros Grau ao Tratado de Extradição entre Brasil e Itália. Ao votar pela discricionariedade da decisão do presidente da República, Eros afirmou que o mandatário está limitado pelo tratado internacional, mas que o documento admite subjetividade na decisão, já que Lula poderia alegar até mesmo “razões humanitárias” para não mandá-lo de volta.
As mesmas “razões humanitárias” foram usadas pela defesa de Santa Maria para pedir sua permanência no país, ao contrário do que quer o governo francês. A advogada Tatiana Zenni de Carvalho afirmou que o condenado é sexagenário e tem problemas de saúde. Além disso, vive há dez anos com uma companheira no Brasil e tem filhos e netos brasileiros.
O artigo 8º do Tratado de Extradição entre França e Brasil prevê que o Estado pode se recusar a despachar o acusado por “considerações humanitárias”, quando a entrega gerar “consequências de excepcional gravidade, especialmente em razão da sua idade ou do seu estado de saúde”.
Para o relator do caso — o mesmo ministro Eros Grau —, “cabe ao presidente da República decidir se as circunstâncias atinentes à idade ou ao estado de saúde do extraditando consubstanciam óbice à extradição”, e não à corte, conforme seu voto nos Embargos de Declaração ao acórdão de Extradição, proferido em março. “Ao Supremo Tribunal Federal cabe tão-somente pronunciar-se a respeito da legalidade e procedência do pleito.” Em bloco votaram os ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Ao julgar Battisti, porém, os ministros Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e o presidente da corte, Gilmar Mendes, disseram, no ano passado, que o presidente da República é obrigado a extraditar quando o Supremo assim decide. “Se o presidente tem esse poder, esse pedido nem deveria ter chegado ao Supremo Tribunal Federal”, disse, na ocasião, o ministro Cezar Peluso, referindo-se à discricionariedade do Executivo. “Nunca houve qualquer hipótese de desatenção do presidente da República frente a uma decisão deste tribunal nos seus 200 anos de história. Por que ela surge com tanto interesse nesse caso concreto?”, questionou Ellen Gracie. “Não temos tempo para dar tantos votos extensos e ilustrados para não terem legitimidade.” Ficaram vencidos.
Na opinião do advogado de Battisti, o constitucionalista Luís Roberto Barroso, o que o Supremo fez foi voltar às origens. "Com essa decisão, o STF reafirma sua jurisprudência pacífica, tradicional e correta. O caso Battisti foi um ponto fora da curva, em que o tribunal rediscutiu o seu entendimento de muitos anos", afirma.
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