Por SIMONE ROMERO, jornalista
O governo do Estado está longe de entender o que é o ciberespaço. Em tese, o Partido dos Trabalhadores deveria ser o mais acostumado a enfrentar o embate de idéias, o contraditório. Afinal de contas, essa tem sido – ou pelo menos foi durante longos anos - a sua prática diária. Mas não é o que se vê.
O governo comete o mesmo erro da grande maioria dos políticos. Encara a internet apenas como mais um espaço para divulgação de suas ações. A internet 2.0, no entanto, é mais do que um novo suporte de mídia a ser explorado. Ela representa uma revolução nas relações sociais e na forma de produção de conteúdo.
Se observarmos dois dos principais blogs ligados ao governo, o da governadora Ana Júlia Carepa e o do ex-chefe da Casa Civil Cláudio Puty, veremos que eles reproduzem o velho modelo tradicional de comunicação vertical, onde apenas um fala e todos os outros escutam. Na internet 2.0 a comunicação é horizontal. Todos produzem conteúdo e são capazes de interferir nos conteúdos produzidos pelos demais. Essa é a matriz que baseia o novo modelo de rede.
É sob essa premissa que se começa a construir um conceito totalmente novo, o da ciberdemocracia. Falta ainda à maioria dos políticos paraenses entender que os blogs servem para trocar conteúdo, opiniões e interagir com os internautas.
Em um artigo muito interessante escrito para a revista eletrônica Webinsider, intitulado “Ciberdemocracia propõe uma revolução na política”, Rosália Vasconselos diz que “os políticos brasileiros não sentem necessidade de atender ao público conectado à rede ou ainda não estão preparados para responder ao desejo do eleitorado por relações interativas mais transparentes”.
No caso dos blogs citados, raramente há comentários às postagens. E quando eles aparecem, invariavelmente são elogiosos. Tudo leva a crer que os dois passam por uma rigorosa moderação de comentários. Falta a ambos a pluralidade de opiniões, característica do pensamento democrático que norteia a internet.
A seletividade na escolha dos comentários forja uma verdadeira terra mágica, onde todos concordam com a opinião dos blogueiros. Onde os autores das postagens escrevem apenas verdades incontestáveis. Ao atingir este ponto, os blogs escorregam por um terreno arenoso, onde a palavra moderação passa a ser apenas outro nome para a censura.
Não falo da moderação de conteúdos ofensivos ou caluniosos, infelizmente tão comuns na blogosfera paraense, onde o anonimato deixou de ser um privilégio e passou a ser um direito. Refiro-me simplesmente aos comentaristas que não concordam com as opiniões emitidas e querem contestá-las de forma saudável, de forma a expandir o debate.
E, reforço, moderação ideológica, como a que parece ser aplicada aos blogs ligados ao governo, é apenas um eufemismo para censura. É andar na contramão do caminho cada vez mais democrático assumido pela internet.
Na Holanda, por exemplo, desde janeiro deste ano uma lei proíbe a moderação em blogs. Segundo Ehsan Jami, autor do projeto de lei, a medida visa a garantir a liberdade de expressão na internet: “Os holandeses encaram a internet como uma ferramenta que deve trabalhar em prol da liberdade de expressão. Quando uma pessoa se acha no direito de moderar a outra, apagando um comentário, ela está indo de encontro a esse princípio. A Holanda sempre esteve na vanguarda de medidas que defendem a liberdade.” É verdade que nossa sociedade ainda não avançou a tal ponto, mas o caminho é esse.
Se o governo se decidiu a entrar na blogosfera, é preciso que esteja disposto a rebater as críticas com argumentos, e não com atos de censura. Caso contrário o mais digno é não oferecer a possibilidade de comentar as postagens.
O caso dos blogs infelizmente não é único no governo. Outro exemplo foi a retirada inexplicável do ar do site Transparência Pará. O site seguia os moldes daquele mantido pelo governo federal. Foi implantado em 2008 pela Auditoria Geral do Estado do Pará (AGU) para ser um espaço onde qualquer cidadão poderia ter acesso às despesas e receitas do governo, assim como aos fluxos de pagamento e seus beneficiários, pessoa física ou jurídica.
Tratava-se de um avanço inegável em direção à abertura administrativa. Teve vida breve. Está hoje em uma manutenção eterna e foi retirado do ar silenciosamente, depois que começou a ser usado por jornalistas como fonte para matérias como aquelas que denunciaram o crescimento excessivo no valor das diárias da gestão petista.
Aparentemente, o governo teme o controle social de seus atos. A julgar por suas ações, a gestão democrática e popular é não mais do que uma figura de linguagem.
Outro caso que também merece registro. Tente fazer uma consulta online ao Diário Oficial do Estado para saber, por exemplo, quantas licitações foram abertas em 2009. É um trabalho praticamente impossível porque a consulta por palavra-chave foi desabilitada do site da Imprensa Oficial há pelo menos um ano. A pesquisa agora precisa ser feita dia a dia em cada uma das edições do Diário.
A inclusão digital universal é meta a ser atingida, mas de que adianta universalizar o acesso e criar Infocentros se o mesmo governo retira do cidadão o direito de acompanhar e fiscalizar a gestão pública por meio da internet?
Como coordenar esses dois discursos? “A internet é boa, desde que não sirva como instrumento para me questionar” não é um pensamento que case com quem, realmente, entende a importância da revolução tecnológica atual.
2 comentários:
Simone esqueceu ce mencionar o caso do site do Ministério Público Estadual que saiu do ar após o escândalo da retirada de notas sobre ação do MP contra os prefeitos de Ananinedua, Helder Barbalho, e Maria do Carmo, de Santarém.
Alegando que houve um bug, o site saiu do ar há junto com as duas notas há mais de 45 dias e até hoje não voltou.
Uma desculpa descarada para encobrir um ato de censura explícita.
Miguel Oliveira
Paulo Bemerguy, caríssimo;
Simone está coberta de razão.
O governo da Ana Júlia adota cada vez mais a, digamos assim, 'Máxima Ricupero": O que é bom a gente publica; o que é ruim a gente esconde..."
Abraços.
Ronaldo Brasiliense
Postar um comentário