segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O faroeste e a devastação na Amazônia

SERGIO BARRA

Faz muito tempo e acredito que lá pelo no início dos anos 1960, quando o cinema Nazaré exibia – durante uma quinzena –os grandes Westerns, exatamente na época do Círio, vindos dos grandes estúdios da terra de Tio Sam,tive o prazer de ver a culminância do faroeste americano ao assistir o filme chamado Shane. Esse maravilhoso clássico de George Stevens, de 1953, que no Brasil foi afligido pelo medonho título de Os Brutos Também Amam. Agora, pense em Shane, instala-se na intimidade do pequeno universo de uma família rancheira – pai, mãe, filho – que acreditou no chamamento democrático da corrida para o Oeste. Uma pequena propriedade, que digamos, poderia se chamar de uma pequena chácara, onde praticam a arte modesta da autossuficiência, requinte daquele individualismo incrustado na alma dos norte- americanos
Essa vivência pacífica, nesse microuniverso idealizado, pastoril, de agreste simplicidade, é severamente ameaçada, porém, pelo mundo em seu entorno. São estancieiros de muitas terras e muito gado que cobiçam e querem anexar o pequeno oásis dos Starrets e, obviamente, estão dispostos a usar, nesse sentido, o argumento persuasivo dos pistoleiros de aluguel. Aquele velho esquema de livre iniciativa versus latifúndio – essas umas das mais repetidas chaves simbólicas do western de Hollywood.
Aí, como que enviado pelos céus, surge Shane, cavaleiro de passado obscuro, mas disposto a trocar o ofício das pistolas por um trabalho pacífico e uma refeição conveniente. Acolhido pela família e, em especial, pela curiosidade infantil de Joey, Shane esconde suas pistolas. A Joey, que quer aprender a atirar, diz: “A pistola não é boa e nem má. Bom ou mau é o homem que a empunha”. Shane faz o tipo caladão, ele é o típico justiceiro da pradaria, ele percorre a trilha problemática de herói fora de lugar, pária involuntário, um aventureiro perseguido pelos tormentos de sua inadaptação social.
Contudo, a bancada ruralista não lhe dará trégua. Todos sabem, o oeste é bravio, assustador, palco de uma terra sem lei, os inimigos não iam lhe dar sossego, são muito poderosos e insaciáveis – com certeza, os mais fortes e menos escrupulosos acabarão por açambarcar a soberania de todo o território. Quem viu o filme, percebe quando a câmara tensiona a ação ao se posicionar na altura do garoto Joey. O pai e o hóspede se engalfinham antes que Shane, de novo investido de seu inescapável desígnio de pistoleiro, vá desafiar as forças da ganância – ou seria melhor escrever, “do mercado”.
Podemos até dizer que já vimos este filme. O que o western clássico pode nos alertar sobre a devastação na Amazônia?Revista de circulação nacional, informa que o problema atual é real, os 4 milhões de hectares da chamada Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), que o governo Temer pretende retirar do patrimônio da União para serem entregues ao portfólio da devastação na Amazônia, são territórios pretensamente dedicado à exploração de minérios e foi por isso o que os beneficiários do governo anunciaram, no exterior, com antecedência de meses, aos supostos interessados nas várias unidades de conservação localizadas na fronteira entre o Pará e o Amapá.
Mas, um esperto estalido se fez ouvir no Jaburu e, um recuo preciso tornou-se indispensável – sem juízo definitivo, o decreto deve ser revogado – mas, termine como terminar essa novela, o pêndulo não esconde que a intenção é liberar a Amazônia para interesses estranhos. O professor Daniel Chaves, da Universidade Federal do Amapá, diz: “A privatização da reserva Renca produz outros riscos temerários, ambiental e socialmente para a região do vale do Jari e Noroeste do Pará”. Na verdade, a defesa dos indefesos é um tema recorrente. Já ideias políticas complexas, não – elas não cabem nas sagas relativamente simples dos caubóis.

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SERGIO BARRA é médico e professor

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