quinta-feira, 7 de novembro de 2013
"Negociem, por favor!"
Interessado na solução do conflito administrativo-político que paralisa a rede pública estadual de ensino há mais de mais de 40 dias, o presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco-PA), Charles Alcantara (na foto), divulgou nesta terça-feira uma carta aberta, dirigida ao governo paraense e aos trabalhadores da educação, sugerindo novos e sinceros esforços bilaterais em busca de uma saída negociada para a greve e a crise.
A carta, diz o sindicalista, é contribuição e chamamento do sindicato ao diálogo interrompido.
Abaixo, a íntegra.
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Negociem, por favor!
Charles Alcantara
É muito grave o ponto a que chegou o impasse entre governo estadual e profissionais da educação.
Mais preocupante que o tempo decorrido desde o início da greve (mais de 40 dias), com os seus irremediáveis prejuízos aos alunos da rede pública, é a ruptura do diálogo.
Em regra, e no Pará não é diferente, os governos são pouco transparentes e reagentes ao controle social sobre o orçamento público.
Não falo da transparência formal, expressa numa profusão de relatórios de gestão fiscal, demonstrativos contábeis e portais de transparência, todos carregados de tecnicalidades e artifícios. Falo de um tipo de transparência capaz de promover a popularização das questões orçamentárias, fiscais e tributárias, de modo que o orçamento público deixe de ser um assunto tão perversamente hegemonizado pelos iniciados e se torne acessível à compreensão geral, como um direito elementar da cidadania.
Quanto mais um governante empenhar-se em possibilitar aos contribuintes (que somos todos os cidadãos) o controle efetivo do orçamento público, mais este governante será feliz em suas escolhas e mais a sociedade sentir-se-á respeitada.
Em termos de comportamento ético, não acredito que os governantes possam ser divididos entre honestos e desonestos.
Muitos governantes tornaram-se desonestos por excelência, em razão de circunstâncias, conveniências, interesses e oportunidades. Mas o caminho da honestidade é mais penoso e ermo, pelo menos na política e na gestão pública.
Nelas – política e gestão pública – os governantes não “são” infalivelmente honestos, porque a honestidade é um estado de constante esforço e de eterna vigilância.
Nelas – política e gestão pública – alguns governantes estão permanentemente “tentando ser” honestos.
E o “tentar ser” e, mais ainda, o “conseguir ser” honesto dependem do quanto o governante consegue proteger-se dos seus amigos que, na política, ostentam o título de “aliados”.
São os pedidos e os interesses dos “aliados”, raramente manejados com transparência e decoro, que mais afastam os governantes da pretendida honestidade, quando esta é de fato pretendida.
Assim, o governante que pretenda “conseguir ser” honesto precisa dar demonstrações públicas, cabais e explícitas, de sua pretensão, para que o povo o reconheça como um governante que “quer ser” honesto. E não conheço melhor caminho do que a radicalização da transparência pública.
Quanto mais transparente for um governo e mais fortalecidas e independentes forem as instituições públicas responsáveis pela fiscalização e controle do governo, mais próximo do “conseguir ser” honesto estará o governante, porque mais protegido dos amigos e mais sintonizado com as aspirações populares ele estará.
Mas se os governos, em regra, são pouco transparentes, também os servidores públicos - e com os trabalhadores da educação não é diferente - pouco se interessam em conhecer mais a fundo o orçamento público, o que os despotencializa como cidadãos e, de quebra, os desfavorece nas contendas com o governo, que domina a técnica e os números.
A permanecer esse estado de coisas, estaremos condenados ao círculo vicioso e pernicioso da baixa qualidade do diálogo e da falta de transparência na relação entre governo e categorias de servidores públicos, que afloram em tempos de negociação salarial.
Em áreas tão mais sensíveis à sociedade, como o são a educação, a saúde e a segurança pública, cronicamente mal remuneradas e aviltadas pelos sucessivos governos - à esquerda, à direita e ao centro -, a sociedade permanecerá oscilando entre ser mal servida o ano inteiro (porque não há investimento público suficiente) ou simplesmente deixar de ser servida (quando os trabalhadores se veem obrigados a paralisar as atividades), como acontece há mais de 40 dias na educação pública estadual.
No Rio Grande do Norte (RN), por exemplo, foi suspenso o pagamento do salário de outubro do funcionalismo público estadual, segundo o governo por falta de recursos.
Não disponho de informações seguras para julgar a qualidade da gestão da governadora potiguar, mas estou certo de que a asfixiante política fiscal do governo federal está contribuindo enormemente para um grave desequilíbrio nas finanças de estados e municípios brasileiros.
Somente no mês de outubro, o RN sofreu uma diminuição do FPE (Fundo de Participação dos Estados) de R$53 milhões, um valor absurdo considerando o porte econômico daquele Estado.
O Pará deve fechar o ano de 2013 com uma redução no repasse de FPE em torno de R$ 400 milhões, em relação ao valor estimado pelo próprio governo federal e que foi incluído na Lei Orçamentária Anual/2013.
Há também a criminosa subtração de recursos (Lei Kandir), com a desoneração do ICMS sobre a exportação de produtos semielaborados e primários, cuja perda imposta ao Pará já ultrapassa a casa de R$ 20 bilhões.
Pra agravar a sangria de recursos estaduais, assistimos ao injustificado privilégio concedido pelo governo estadual à grande indústria mineral, que não paga um centavo sequer pelo uso (e abuso) da água consumida no processo de beneficiamento e transporte de minério.
Todo esse dinheiro faz muita falta ao povo do Pará, porque faz mal à saúde, à educação, à segurança, ao transporte público e por aí vai.
Penso, sinceramente, que não estamos sendo muito felizes no combate a esse estado de penúria a que o povo do Pará está submetido, a despeito do nosso potencial econômico cantado em verso e prosa pelos políticos.
Mesmo inconscientemente, suspeito que escolhemos permanecer na superfície do problema, quem sabe por receio de não sabermos o que fazer quando chegarmos à raiz do problema.
Eu não posso acreditar que governo e trabalhadores em educação não sejam capazes de encontrar uma saída razoável para superar os seus impasses que não me parecem insuperáveis, desde que haja um esforço sincero para que se “consiga ser” honesto.
Negociem, por favor!
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