sexta-feira, 1 de março de 2013

Necessária consciência cósmica


Tão perto e tão longe. É assim que muitas pessoas vivem em relação ao grau de consciência de sua inserção no Universo. Estamos suspensos entre bilhões de estrelas e de galáxias. Nossa nave corre a uma velocidade média de trinta quilômetros por segundo em torno do Sol. Para produzir dia e noite, o autogiro solar passa dos 1.600 quilômetros por hora na linha do Equador. E assim vai. Porém, é incrível quanto nossa visão pode ser rasteira.
Se você prestar atenção, verá que a história humana praticamente não “decolou”. Afora algum ensaio na área da Astronomia, o cotidiano da humanidade é um exercício cabisbaixo. Vivemos numa estreita faixa. São apenas alguns metros acima do solo. Arrumamos e desarrumamos o planeta segundo os nossos interesses. Cobrimos a superfície da Terra com asfalto, cimento e uma porção de elementos que reputamos úteis e indispensáveis. Então, perdemos a linha do horizonte. Pare um pouco e tente olhar a linha horizontal da sua rua. Você ainda consegue enxergar a Terra?
É impressionante que as nossas construções não sejam vistas do espaço. Apenas as muralhas chinesas prevalecem, mas não pela estatura, e sim pela extensão do riscado sobre a Terra. Alguns minutos de decolagem, e cadê todo mundo? Onde estão as caríssimas torres que fazem tanta gente sonhar e sofrer? Cadê as mansões e as palafitas? Carros. Fábricas. Glamour. Sofrimento. Fartura. Fome: tudo existe nesta faixa. Estreita faixa que recobre o planeta.
Precisamos de uma consciência cósmica, no sentido astronômico da palavra. A vida não pode ser um olhar cabisbaixo. Estamos rodeados por bilhões de corpos celestes. Você já prestou atenção que a Lua aparece às vezes entre as nuvens do dia? Tímida, segue seu curso enquanto nós corremos para o trabalho. E o Sol? Esse magnífico astro, capaz de hospedar em seu território mil e trezentos planetas Terra, exerce uma
influência vital sobre todos nós. Porém, quantos enxergamos a vida sob essa dependência? Não seriam as coisas da Terra que, de fato, mais nos impressionam? Não seria a casa, o carro, as dívidas, o alimento, o remédio? Vida rasteira. Faixa de problemas. Precisamos olhar para o alto.
Estamos tão acostumados com a rotação da Terra que o dia pode parecer mecânico. Seja boa ou má nossa jornada, o Sol está sempre lá. Dizem os cientistas que o nosso astro-rei ainda brilhará milhões de anos até que se apague. Eterno, se comparado a mais longeva criatura. Então, é como se emprestássemos a vida dessa estrela. O Sol nasce todo dia, logo, viveremos indefinidamente. Mas sabemos que não é assim. É
impressionante pensarmos que, em caso de extinção da vida na Terra nos próximos séculos, o Sol persistirá em seu caminho por longos milhões de anos. Ele continuará regendo todo o Sistema Solar, embora a Terra não passe de um torrão sem vida. Haveria nascente e ocaso. Porém, não estaríamos mais aqui.
É nesta faixa estreita que existimos e tecemos nossas relações de dominação. Classes sociais. Poder.  Lutas. A Terra repartida de modo tão desigual. Muitos que nada têm. Poucos dominando o mundo. Rio toda vez que me falam de riquezas. Só temos mesmo o corpo. A nudez é a nossa grife. Podemos nos vestir de ouro nesta faixa estreita, mas o nosso fim repetirá o começo: voltaremos ao pó da Terra, para devolver o carbono que utilizamos. Temos o mesmo material das estrelas. Nossa origem é esse pó estelar moldado pelas mãos divinas. O destino de nossa matéria é descer ainda mais na superfície da Terra. Em pó ou cinza. Descer para o nível que nos reintegre à Terra novamente.
Não é possível que morramos sem saber onde estivemos. Vivemos um grande milagre. Impossível não crer em nada. Há, sim, algo além da nossa vã filosofia. Podemos ser um tubo digestivo, mas não é só isso, Pavlov! Como disse Blaise Pascal, somos mesmo um caniço, mas um caniço pensante. Vamos olhar a vida como algo grandioso. Enxergar mais adiante. Nossas lutas não valem nada se arruínam o corpo. Há terreno para todos. Busquemos a paz e nos esforcemos por ela. É apenas uma faixa. Olhemos mais longe. A Terra é o nosso horizonte. Saudemos o Sol com uma festa. Agradeçamos por iluminar outros. Precisamos também da noite, mas não deixemos de olhar as estrelas.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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