sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Caldo de turu


Aparências enganam. Quem vê e não prova, não sabe o que diz: caldo de turu é uma das melhores iguarias paraenses. Praticamente despercebido, o molusco segue sua vida discreta, submersa e escondida. Porém, quando sobe à mesa não tem nada pra ninguém. Ostra passa de longe. Escargô corre apressado. Turu. Eis um dos últimos segredos da culinária amazônica, capaz de ganhar o mundo, se a gente deixar a pavulagem.
O turu é um molusco esquisito, parece uma minhoca comprida, mas tem dente amolado. O turu mora na árvore, mas nada de subir os galhos. Ele mora dentro do caule e não precisa do governo. Sua casa é a sua vida. O turu entende bem da arte. Constrói seu lar no dente, roendo, furando, chamado cupim das águas.
O turu vive no mangue. Alimenta-se da natureza. Ele pode colonizar extensas florestas, mas não dispensa uma canoa desavisada. Mestre calafate, entre em ação! A canoa vai ser puxada. Em terra, em seco, passe fogo no casco doente. Calafete bem as goteiras. Passe breu quentinho para matar o turu. Caladinho, já deve ter chegado. E, se deixar, o barquinho irá a pique, furado que nem velhas tábuas de pirulito.
Quem quiser comprar turu, acorde cedo e veja o money. Não é barato, vou avisando. Turu é um bicho pavlo, grã-fino como ele só. Não é vendido em quilo, em cento ou na cambada. Turu é vendido em litro. Um litro de coisa boa. Ah! que vontade me dá! Vigia é a sua terrinha nata, dele, turu, minha. Foi lá que me apresentaram o bicho. Foi lá que eu fui logo pescado. Ainda hoje, é igualzinho: quem quiser comprar turu, corra pra Vigia cedinho. Existem duas latas cheinhas deles. Acaba logo, tá avisado. Se chegar nove, não tem mais nada.
Turu é rico em cálcio. Tem ferro de admirar carajás. O bicho é todo leitoso. No prato, destila leite. Tem gosto de barro vivo. Não sei como, mas é gostoso. Quando como, revivo o Éden, pois de barro também eu sou. Turu. Pode ser comido cozido ou cru. E cru é a preferência máxima. Basta abrir o bichinho com uma agulha, tirar o barro cinzento e lavar só um pouquinho. Basta tirar a cabeça fora para não engasgar. Aí, põem-se limão e sal. Alho, se preferir. Tá pronto, coma! Natureza viva em folha, em galho, em árvore, em rio.
Tem gente que gosta de fogo. Então, põe o turu na panela. Ah, amigos, o caldo fica mais forte, de arrepiar paladares. Remédio, dizem os mais velhos, seja cozido ou cru. Cura até mesmo a tísica, stress ou doença qualquer. Turu. O que dizem os sábios da China e do Japão? Hum... não sei se já tururaram, porém, quando descobrirem, haja turu de exportação. “Made in Vigia, Pará, Brasil”.
Se quiser saber se turu dá mesmo certo, dê uma passadinha por lá: Vigia, a Pérola do Salgado. Ali,  a terceira idade é coisa mesmo do passado. Chega-se fácil à quarta. E alguns já adentraram a quinta. Longevidade do turu. Velhinhos bebem o leite do mangue. Parece que vão, mas ficam. Mais um, mais, cinco, mais dez. Oitenta anos é fichinha, juventude amadurecida. Noventa não é difícil. Um século se  acha brincando. Centenário do turu.
Não se impressione mesmo com a aparência. O bicho é feio mas é bom. Comprido, esbelto e light. Gostoso e sadio até o fim. Quem comeu, não desaprova. Mas, por favor, sem essa de estragar o manjar: fritar o turu? Nem pense. Aproveite bem a natureza. Quer minha opinião? Não leve o turu ao fogo. O bichinho já vive assustado. Escapou do calafate, mas caiu na sua mão. Coma o turu in natura. Sinta o gosto da terra, do ferro, do cálcio, da vida. O turu nasceu no Éden. Iguaria especial de Adão. Exigência da primeira Eva, quando enfastiada do Jardim.
Se não quiser comer turu, experimente o caldo quentinho. Esprema alho e limão, ponha sal e pimenta. Pimenta-de-cheiro, é o que eu digo. Malagueta também vale. E esqueça o dia que nasceu. Turu tem gosto e sustança. Despache logo o armador. O turu matou a morte. Ate a sua rede e cante: “Eu ia morrer, mas não vou mais. Só bebo caldo de turu!”.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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