Ao fundo, a tela de Di Cavalcanti que foi danificada. Tias e tios garantem, no entanto, que ele foi até visto na posse de Lula, suando e se lambuzando todo com protetor solar fator 60. |
Tias e tios do Zap estão transtornados desde 30 de outubro passado, quando Lula se elegeu presidente.
Transtornados, tias e tios veem-se aprisionados no topo de seus delírios.
De manhã, acordam e inundam seus grupos de bons dias, sempre acompanhados de emojis que expressam amor, paz, concórdia, união, temperança, racionalidade e apego à verdade - somente a verdade.
Feito isso, começam a sessão interminável - que se estende da manhã até a noite - de encaminhamentos.
Ainda cheios de amor no coração, tias e tios do Zap transformam-se em gerrilheiros patriotas - ou patriotas guerrilheiros - e fazem do celular uma arminha poderosa, que dispara ódio, discórdia, mentira, imoderação e fanatismo, tudo exatamente em desacordo com os emojis distribuídos um pouco antes, quando acordaram.
Para a sessão interminável de encaminhamentos de mensagens, abeberam-se na farta fonte de fake news, de ficções e ameaças apocalípticas (entre elas a de que comunistas estão batendo à porta de bolsonaristas, prontos para comer crianças e pets) provindas dos porões nojentos da rede bolsonarista.
Nas mensagens encaminhadas, tias e tios, guerrilheiros letais, alertam, por exemplo, que o terrorismo perpetrado em 8 de janeiro, em Brasília, não foi obra de bolsonaristas, mas de infiltrados, entre eles, claro, "esquerdistas", "petistas", "lulistas" e "comunistas". Os bolsonaristas, asseguram tias e tios, estavam lá para manifestar-se pacificamente e até tentaram proteger os palácios, mas não conseguiram.
Nas mensagens encaminhadas, espalham - mostrando foto e tudo - que uma idosa morreu após ser detida pela polícia como suspeita de participação nos atos terroristas. A senhora, em verdade, morreu há três meses. Sua família, indignada, classificou essa mentira bolsonarista de "fake news porca", mas tias e tios do Zap, amantes da verdade e da comiseração, insistem em disseminar a desinformação.
Tias e tios, saudosos de Michelle, difundem uma foto que seria de Janja, sentada na bancada de uma cozinha, de óculos e em poses sensuais. Mas é fake. A imagem retrata Adriana Souza Gagliardi, que fez a imagem na cozinha de sua casa em dezembro.
Mensagens encaminhadas desdenham ainda das informações que deploram a destruição, durante os atos terroristas, de obras de arte como a tela "As Mulatas", assinada por Di Cavalcanti. Tias e tios avisam que ninguém deve dar crédito a isso, porque também ele, Di Cavalcanti, é um infiltrado que mora em Planaltina, no entorno do Distrito Federal, e teria sido até visto na posse de Lula, suando por todos os poros, lambuzando-se todo de um protetor solar fator 60, mas aplaudindo, entusiasticamente, os atos de posse do novo presidente.
Em seus delírios crescentes, tias e tios do Zap terminam o dia estimulando uns aos outros a resistirem e acreditarem na verdade. Qual é a verdade? Que Bolsonaro não fugiu, mas está apenas tirando uns dias de folga na Flórida; que o Lula que supostamente subiu a rampa não é Lula, mas um clone dele; que o Exército já está comprando tanques novos para dar o golpe; e que Bolsonaro, tão logo retorne ao País, reassumirá a presidência, uma vez que Lula não venceu, porque as eleições foram fraudadas.
Como derradeira missão patriótica do dia, tias e tios reúnem a netarada, pelo Zap mesmo, e puxam uma oração para que as crianças cresçam obedientes e façam, para o resto de suas vidas, sempre tudo igualzinho ao que tem feito tio Bolsonaro - o puro, o cândido, o incorruptível, o intrépido, o mito e o defensor inconstrastável da família (mesmo que já esteja emplacando a terceira).
Depois de toda essa jornada de trabalho patriótico, tias e tios do Zap, cansados, extenuados e esbodegados, mas com a consciência tranquila, vão fazer a oração da noite para dormir e sonhar em paz, não sem antes assistirem à Jovem Pan, que pratica o mais excrementoso jornalismo no Brasil.
No dia seguinte, tias e tios começarão tudo outra vez. Mas só depois, é claro, de inundarem os grupos de Zap de bons dias, sempre acompanhados de emojis que expressam amor, paz, concórdia, união, temperança, racionalidade e apego à verdade - apenas a verdade, sempre a verdade.
5 comentários:
Os tios e tias, que no delírio de suas ilusões, despertam e alimentam o ódio contra a democracia, estão enfrentando os pesadelos pessoais, motivados pela solidão, ausência da família, educação e de cultura. Estão sofrendo a dominação bolsonarista nas mentes fracas e abertas a qualquer ilusão.
No noticiário de hoje: "Invasão do STF, Congresso e Planalto: terroristas miraram locais hostilizados por Bolsonaro durante o mandato. Bolsonaristas radicais invadiram e depredaram as sedes do Três Poderes e deixaram um rastro de destruição. No período à frente do Executivo, Bolsonaro foi a atos que pediam golpe militar."
Constata-se, assim, os efeitos de discursos disseminadores do ódio e de conflitos radicais, levando muitos a distanciarem cada vez mais da razão, dos valores éticos e morais de uma nação. Em consequência a violência causa prejuízos incalculáveis aos valores essenciais a um povo, por ser capaz de levar muitos a acreditarem em algo falso. A troco de quê? O que move esses demônios que se dizem "humanos"? O que os levam à desfaçatez de se justificarem com uma frase - "O país acima de tudo" - e, hipocritamente, completando com uma blasfêmia ao expressarem em vão o nome de Deus?
Eu podia jurar que tinha sido os tios e tias aposentados que tinham ressuscitado o molusco nas urnas.
Lamentável realidade. Tenho que redobrar a atenção em relacionamentos com pessoas próximas, que se tornaram radicais e fechadas a diálogos que possam citar o que acharem que seja uma crítica ao bolsonarismo. O que surpreende, é como pessoas até tempos recentes demonstravam lucidez, duscernimento e coerência em seus valores e atitudes. Foram cooptados pelos discursos, lives e fases News.
"De manhã, acordam e inundam seus grupos de bons dias, sempre acompanhados de emojis que expressam amor, paz, concórdia...". Perfeito, Sr. Blogger!
Três Semanas atrás, passando uns dias em uma praia fluminense, conheci três casais. Dois bolsonaristas e um lulista. A senhora lulista, acompanhada do marido quietão e do filho gay. Felizmente, conversamos com os antagônicos em dias diferentes, o que permitiu manter um clima de cordialidade.
A lulista, quando sentiu que eu e esposa não seríamos seguidores do mito e seus mitinhos, se descontraiu e nos contou o histórico do filho e seus problemas psicológicos causados pela homofobia, e do quanto ela e família tinham que evitar a convivência com familiares, vizinhos e amigos que se tornaram bolsonaristas, por causa do preconceito velado em relação ao seu filho.
Os dois bolsonaristas, daqueles que ficam coléricos diante de alguma discordância com o que eles acreditam e pregam. Como eu consegui ter paciência e controle para não dizer nada que acirrasse os ânimos (foi difícil, mas consegui), fizeram questão de trocar números de celular e "manter a amizade" através do zap.
Não deu outra, começaram os _bons dias_ de fazer inveja a monges, desde beneditinos e até tibetanos. Trinta minutos, ou poucas horas depois, começavam a chegar ridículos e grosseiros memes, lives e fakes news. Dei um tempo de quase duas semanas e bloqueei o zap para eles.
Assim é _a vida como ela é_ após a facada que determinou quem seria o vencedor das eleições em 2018. O mito que fora furado foi mais uma dessas grandes furadas cometidas em dias de eleições.
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