quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A herança maldita

Por Carlos Brickmann, no Observatório da Imprensa

Um esplêndido conto de ficção científica mostrava como seria travada uma guerra no futuro. Um foguete era disparado contra o inimigo; no instante seguinte, as fábricas totalmente automáticas produziam um foguete de reposição. Os fornecedores de matérias-primas, automaticamente, também enviavam o material necessário para a continuidade da produção. Equipamentos computadorizados, sozinhos, extraíam os minérios, faziam a purificação, completavam os estoques das fábricas. E outros foguetes eram lançados, sempre sem intervenção humana – que, aliás, seria impossível: há muitos anos a Humanidade tinha sido extinta nessa guerra, que continuava por não necessitar de ninguém para acionar as armas.

Qual é o conto, quem é seu autor? Este colunista não se recorda; mas tem certeza de que alguém saberá qual é o livro em que consta, qual é seu autor – muito provavelmente, mas sem poder afirmá-lo com certeza, o grande Isaac Asimov.

E, seja quem for o vencedor das eleições no Brasil, terá de enfrentar uma situação parecida com a do conto. As hostilidades ultrapassaram o âmbito do debate político e chegaram muito perto do rompimento pessoal. Não é mais, apenas, a rivalidade futebolística contaminando o jogo político: já há tentativas de jogar Estados contra Estados, etnias contra etnias, religiões contra religiões. Há esforço para criminalizar divergência de opiniões. Usam-se, como se usavam na guerra, apelidos insultuosos para designar adversários políticos.

Na Segunda Guerra Mundial, alemão não era alemão, era huno, era boche. Aqui, quem não é petista é reaça, coxinha, fascistoide, traíra; o petista é petralha (um mix de petista com Irmãos Metralha), petelho, comunistinha, melancia – verde-amarelo por fora, vermelho por dentro.

E vale tudo – até a ridícula tentativa de bloquear o acesso do ministro aposentado Joaquim Barbosa ao exercício da advocacia, negando-lhe a carteira da OAB. Barbosa cometeu um crime horrendo: como ministro, votou no caso do mensalão conforme suas convicções, e condenou ícones petistas como José Dirceu e Delúbio Soares.

A imprensa, como de hábito, é o demônio de todos os lados. Perguntava-se, outro dia, por que só Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e Globo contratavam pesquisas eleitorais (o subtexto insinuava manipulação). A resposta é óbvia: primeiro, não é verdade que isso aconteça, tanto que a Confederação Nacional dos Transportes e revistas como Carta Capital contratam pesquisas com regularidade; segundo, quem é que deveria contratar pesquisas eleitorais – o GUAC, Grupo Unido de Adeptos do Chicabon? Nada mais claro do que isso: contrata as pesquisas quem tem como divulgá-las.

Um cavalheiro insistia em saber por que uma determinada pesquisa não tinha sido divulgada na terça-feira, dia que, segundo ele, estava originalmente marcado. E insinuava que, como os resultados da pesquisa não tinham sido os que o cliente queria, o atraso na divulgação era necessário para acochambrar tudo. Beleza – só que, desde que a realização da pesquisa tinha sido anunciada, informou-se que seria divulgada na quarta-feira, não na terça.

Erro de informação causado por afoiteza? Talvez; ou vontade de insinuar que os veículos, os institutos, o mundo em geral conspirava contra seus candidatos magníficos, maravilhosos, tão bons que só gente de má-fé poderia rejeitá-los. Candidatos que, aliás, podiam ser de qualquer partido: várias vezes os principais institutos, os maiores jornais, as grandes redes de TV, foram acusados simultaneamente, por diversos grupos políticos rivais, de “estar dominados” por um partido. O partido variava: conforme o acusador, o mesmo veículo de comunicação estava dominado pelos adversários, fossem quem fossem.

Reduzir esse belicismo fundamentalista é essencial para que qualquer governante possa exercer seu mandato com alguma eficiência. Juscelino Kubitschek conseguiu essa façanha, no final da década de 1950. Itamar Franco, num clima não tão áspero, também conseguiu governar com relativa calma. Mas fazer com que o exercício da política se torne novamente civilizado é coisa que vai levar muitos anos e exigir, o que não é fácil, o talento conciliatório de múltiplos Juscelinos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Existe um partido que não aceita oposição; que nada de bom havia antes dele ser governo, e tudo de bom foi feito por ele; que propaga o fim do mundo se o partido sair do governo; que após 12 anos desse "paraíso" tudo que não funciona nem mudou em saúde, educação e segurança é culpa do passado dos outros.
Até bandido condenado pelo Supremo torna-se "herói da resistência".
A roubalheira e a corrupção ultrapassou os limites "éticos" da malandragem.
Lamentável.