quarta-feira, 21 de setembro de 2016

"Não tenho provas, mas tenho convicção": sinceramente, qual o espanto?


Abaixo, trechos de artigo, sob o título acima, assinado pela advogada Fernanda Ravazzano a propósito do oferecimento de denúncia contra o ex-presidente Lula, recebida nesta terça-feira (20) pelo juiz federal Sérgio Moro:
A íntegra pode ser lida no sítio Canal Ciências Criminais:

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"Não tenho provas, mas tenho convicção". A frase, que repercutiu nos meios de comunicação, sobretudo nas redes sociais, rendendo diversas brincadeiras, foi atribuída ao procurador Deltan Dallagnol quando apresentou a denúncia que ofereceria contra Luís Inácio Lula da Silva, Marisa Letícia e outros investigados da força-tarefa da Lava Jato. Posteriormente, após ser duramente criticado por especialistas e pelo público geral, o próprio Deltan em sua conta no twitter declarou não ter dito a famosa frase. De fato, a frase não foi dita “em linha reta”, havendo a sobreposição de duas afirmações feitas durante a coletiva, o fato de não ter provas e em outro momento, de ter convicção.
A frase, entretanto, é o menor dos problemas no caso e se coaduna com o que consta na denúncia: no item “Das provas da autoria”, não há indicação de provas contra o “comandante máximo do esquema de corrupção”! Equívoco na confecção da peça, o que levou inúmeros juristas a protestarem contra a inicial acusatória e a postura do MPF em convocar uma coletiva expondo o investigado, apresentar um esquema horrível de PowerPoint para, então, redigir a exordial e não indicar as provas que consubstanciariam a petição.
[...]
Quem milita na advocacia criminal, sobretudo nos crimes que envolvem sócios de empresas acusados de delitos econômicos sabe que a violação ao estado de inocência, contraditório e a ampla defesa, ao favor libertatis é absurda, mas corriqueira. Incontáveis são as denúncias de duas páginas, três, em que o Ministério Público Federal limita-se a dizer que há crime e há dolo (ou às vezes sequer isso) sem apresentar qualquer indício contra o suspeito. Fundamento: pertencia ao quadro societário da empresa, deve ser denunciado, ainda que sócio minoritaríssimo. O dolo, por sua vez, seria presumido, pois “só poderia” ter participado o acusado… O uso de expressões “presume-se”, “só poderia ter sido ele o autor do fato…”, “tem-se convicção”, infelizmente, passou a ser a regra geral.
As provas apresentadas são cada vez mais parcas, limitando-se a juntar o inquérito policial em que muitas vezes sequer foi ouvido o acusado pelo delegado, ou pauta-se em procedimento administrativo em que se discute a legalidade dos seus elementos, desde a irregularidade da lavratura do Auto de Infração – o que pode ocasionar inclusive a nulidade do lançamento tributário e, por consequência, extinguir o próprio crime tributário – até o cerceamento de defesa.
Todavia, o Poder Judiciário vem aceitando denúncias sem indícios, asseverando que “será no curso da instrução provado se há ou não crime e se o acusado é o seu autor” e que “eventuais nulidades no processo administrativo não contaminam o processo penal”.  Tudo ao arrepio da Constituição e da lei.
[...]
Não estou criticando o currículo do representante do Ministério Público, nem desconhecendo ou desmerecendo sua capacidade intelectual, mesmo porque por mais que lute contra suas afirmações, estas foram elaboradas com base em pesquisas, estudos e convicção (sim, convicção…). Mas o fato de fazer um mestrado em Havard não o autoriza a violar a Constituição Federal Brasileira. Se nos Estados Unidos são permitidos indícios indiretos (o que para mim nada tem a ver com o uso de indício ilícito, pois pautado em delação rejeitada) como defendido em sua obra “As lógicas das provas no processo”, fruto da dissertação elaborada, que o douto procurador aplique por lá.
A convocação da coletiva de imprensa, o uso excessivo de expressões pesadas como “máximo comandante de esquema de corrupção”, “topo da hierarquia da organização criminosa”, “propinocracia”, para, ao final, apresentar uma denúncia que não explicita a fonte dos indícios obtidos gera uma sensação extrema de insegurança e, de outro lado, frustração.
Um investigado não pode jamais ser desrespeitado como foi na coletiva de imprensa convocada pelos procuradores da Lava-Jato, quem quer que seja o indivíduo. O excesso de exposição do sujeito que, como dito pelo próprio procurador, é apenas denunciado, ou seja, não foi condenado ainda, desautoriza muito mais a prática adotada pelo parquet federal. Ademais, aos que possuem a certeza de que Lula é sim autor da “propinocracia”, ver o conjunto probatório tão frágil provoca desânimo: será que a Lava-Jato, após dois anos e meio, não será capaz de provar a autoria e materialidade? O único indício concreto que ligaria o ex-presidente ao esquema pauta-se, de fato, em delação rejeitada? O restante são meras afirmações e convicções?

Um comentário:

Anônimo disse...

O MPF está no seu papel. Quer a abertura do processo para provar o que disse na inicial. Os advogados também estão no seu papel. Esperneando e inventando teses para a recusa da denúncia.
É impressionante como 99%das pessoas opina sem mesmo ler a inicial de acusação. Aliás é um mal do brasileiro, opinar sobre tudo mesmo com total desconhecimento. É o tal do achismo.
Posso concordar que os procuradores fizeram um circo ao apresentar daquela maneira,mas não posso desmerecer nem desconfiar do trabalho de pessoas tão preparadas e com currículos tão recheados.
Vamos esperar, se não houverem provas ele vai ser inocentado m, se não pelo "perseguidor" Moro, mas então em recurso.
Aí sim veremos quem tinha razão, o MP "perseguidor" ou os advogados " vítimas".