Neste Brasil de intolerâncias e selvagerias, o
crime não é bem um crime.
Tudo vai depender do viés ideológico da conduta –
seja do autor, seja da vítima.
A futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves,
contou publicamente que foi abusada sexualmente por dois pastores quando era
criança. Por causa disso, pensou em se matar. Só não o fez porque, disse, subiu
numa goiabeira no quintal da casa dela, viu a imagem de Jesus e desistiu.
Pronto.
A partir daí, a ministra não ficou conhecida
porque foi vítima de um crime – odioso, horroroso, nojento, hediondo, selvagem,
tenebroso.
A ministra ficou conhecida porque, conforme seu
relato, subiu numa goiabeira, viu a imagem de Jesus e desistiu de tirar a
própria vida. E era uma criança, não esqueçam, pensando em atentar contra a
própria vida.
Metade do País, que não votou em Bolsonaro,
esqueceu a parte odiosa, horrorosa, nojenta, hedionda, selvagem e tenebrosa da
história da ministra – a parte em que ela narra as agressões sexuais que sofreu
– e passou a ridicularizar e debochar da outra parte, relativa a suas crenças e convicções
religiosas.
E o mais espantoso: entre os que se divertem com
o relato de um crime hediondo cometido contra uma mulher, grande parte é
formada por quem?
Por mulheres, ora.
Homens e mulheres que se divertem com o drama que
envileceu, aviltou e barbarizou uma mulher estariam, provavelmente, com suas indignações (que seriam
justas, diga-se) à flor da pele se a envilecida, aviltada, agredida e
barbarizada fosse uma mulher antibolsonarista.
Façamos justiça a umas poucas vozes, entre elas
a da ex-deputada Manuela D’Ávila, vice de Fernando Haddad nas últimas eleições
presidenciais, que
se solidarizou publicamente com a futura ministra.
No segmento dos que não apoiaram e nem acolhem
as ideias e os preconceitos cultivados por Bolsonaro e seus exércitos, Manuela
é uma das exceções que confirmam a regra atual de que, neste Brasil de
intolerâncias e selvagerias, o crime não é bem um crime.
Tudo vai depender do viés ideológico da conduta –
seja do autor, seja da vítima.
É ou não é?
Meu
Deus!