Numa manhã qualquer, fria e chuvosa, de abril ou maio de 2009, o poster flanava pelas ruas de Montparnasse, em Paris, à procura da Fondation Cartier-Bresson.
Encontrou-a não sem dificuldades.
Encontrou-a não sem esperar, à porta, que as portas se abrissem.
Com as portas da fundação abertas, o poster entrou e foi, avidamente, à procura do que caçava há tempos: as fotos de
Henrique Cartier-Bresson, obviamente.
Quase não as encontrou.
Em poucas salas, algumas - apenas algumas - obras do genial fotógrafo adornavam as paredes, como que a preencher os vazios que saltavam à vista.
No início da semana passada, o poster, novamente em Paris, numa tarde de sol luminoso de maio, reencontrou Cartier-Bresson.
Reencontrou-o, desta vez, nas imensas instalações tubulares do Centro Pompidou (olhem nas fotos acima, do
Espaço Aberto).
Reencontrou-o, desta vez, numa exposição gigantesca - no tamanho e na qualidade.
Até 9 de junho, somente até 9 de junho, quem visitar Paris poderá ver Cartier-Bresson por inteiro. Poderá extasiar-se - como o homem que levou uma cadeirinha para perder-se em contemplação, como se mostra na foto abaixo, do
Espaço Aberto - com aquela que talvez seja a maior mostra já realizada dos trabalhos desse gênio da fotografia, que faleceu em 2004, aos 96 anos.
São 500 fotografias, desenhos, pinturas, filmes e documentos que retratam o retratista, o artista que fez das sombras a demarcação do imaginário de seus sonhos e o suporte de suas experiências.
São centenas de trabalham do fotógrafo da geometria, do viajante
engajado que não apenas revelou preocupações sociais ao registrar a mendicância e a pobreza como ousou deslocar magistralmente o ponto focal de suas fotografias para ângulos que ninguém ousaria experimentar.
Ali estão trabalhos como a famosa, incomparável, irrepetível silhueta de um homem abrindo o compasso, num passo sobre um poça d'água na Gare Saint-Lazare (
abaixo).
A exposição mostra Cartier-Bresson antecipando, 70 anos atrás, o que seria um
selfie hoje. Ele não suportava que o fotografassem, porque acreditava que o anonimato o deixaria mais à vontade para exercer o jornalista e sua arte.
Mas Cartier-Bresson não resistiu à tentação de deitar-se e tirar, sabe-se lá com que contorcionismos, uma foto do próprio corpo, tendo a ponta do pé como uma referência a contrabalançar a sensação de infinito, balizada pela estrada que parece sair de sua braguilha, numa profundidade que se torna mais aguda com a imagem de uma pessoa que vem andando em direção ao fotógrafo (
abaixo).
A exposição, imperdível, alcança obras do fotógrafo no período de 1926 à década de 1970. Amante da pintura, amigo próximo do pintor André Lhote; Cartier-Bresson também foi um grande viajante que explorou a Europa, o México e os Estados Unidos.
A mostra também registra seus envolvimentos políticos ou sociais, sobretudo com os prisioneiros de guerra depois da Libertação de Paris após a II Guerra Mundial, bem como suas aparições no cinema. Em Paris, foi contatado por Jean Renoir para as filmagens de
Um dia no campo e
A regra do jogo.
Por fim, a exposição também aborda a criação em 1947 da Magnum, famosa agência de fotografia que Cartier-Bresson fundou com Robert Capa principalmente, e suas últimas reportagens para vários órgãos de imprensa.
Uma mostra como a de Cartier-Bresson paga, por si mesma, uma viagem a Paris. Aliás, paga de uma vez só várias viagens.
E quem tiver a ventura de assisti-la ainda pode desfrutar, do último piso do Centro Pompidou, de belas vistas de Paris, como a que descortina a Basílica de Sacré Coeur despontando no horizonte - nos píncaros de Montmarte, bem ao norte da cidade (veja nas fotos abaixo, do
Espaço Aberto) -, vislumbrando de bem longe o legado de um artista que ficou e ficará para todo o sempre.