Por OSVALDO SERRÃO, vice-presidente da
Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas
O escritório do advogado criminalista é, e
sempre será, uma fonte inesgotável de estórias reais, com suas dores e mazelas,
porque, afinal, a matéria prima do seu trabalho diário são os dramas das vidas
das pessoas, independente de religião, classe social e econômica.
O mais fascinante é que esses casos nunca são
factualmente iguais. Podem até se idênticos, mas cada um detém sua sutileza e
peculiaridade.
Certamente, aí que reside a beleza e o fascínio
da advocacia criminal e, sem dúvida, o grande diferencial das demais áreas da
advocacia.
Inúmeros são as estórias que pululam no vídeo
tape da minha memória. De vez em quando, recordo de um e outro. Cada uma mais
pitoresca que a outra. Às vezes, não anoto, e as acabo esquecendo.
Nunca consegui, por exemplo, tirar da lembrança
um caso que chegara ao meu escritório logo no início da carreira, ocorrido
durante o período do Círio de Nazaré, o mais evento da comunidade católica
paraense. Não, propriamente, por ele em si, que abriga um drama lamentável, mas
pelo seu aspecto hilariante.
Doutor Pablo Antero, a pessoa que me contratara,
era um jovem médico recém-formado, extremamente caridoso, sempre pronto a
colaborar com as pessoas que necessitavam dos seus serviços.
O destino, contudo, lhe reservara uma amarga
experiência pessoal e profissional, quando procurado por uma velha enfermeira
que conhecera no Pronto Socorro Municipal, onde estagiara desde o primeiro ano
de faculdade.
Desesperada, lhe pedia ajuda para um gravíssimo
problema. Disse-lhe que havia sido procurada por uma comerciária que lhe
implorava para fazer um aborto porque teria sido vítima de estupro.
Sensibilizada, prometeu ajudá-la, marcando o ato
para uma quinta-feira, anterior ao domingo do Círio, já que folgaria do
trabalho no sábado, e seus pais, certamente, não iriam desconfiar.
E assim foi, Ocorre que, devido grande
hemorragia durante o procedimento, a moça desmaiou, ficando desacordada por um
bom tempo.
Em pânico, ainda de madrugada, vai à casa do
Doutor Pablo Antero em busca de ajuda médica.
Solícito como sempre, foi imediatamente examinar
a moça, conseguindo reanimá-la, ainda que precariamente.
Disse-lhe, então, muito preocupada com seus
pais, que, àquela altura, estavam sem qualquer notícia dela.
Percebendo que, aparentemente, se recuperava,
mais uma vez, pelo coração, se propôs a ajudá-la, indo, então, a casa dos seus
genitores acalmá-los, e tentar convencê-los da nobreza do gesto da enfermeira
em ajudar a filha a se livrar da gravidez indesejada, e, em que consistira sua
real participação no episódio.
Convencidos com a explicação, o casal de idosos
pediu-lhe que os levasse até a casa da enfermeira para ver a filha querida, que
deixara em repouso.
O destino, porém, iria lhes pregar uma imerecida
e indesejável peça, porque se depararam com a dantesca cena da moça morta numa
cama, devido à grande perda de sangue. A enfermeira fugira do local.
Nesse exato momento, os pais da moça começaram a
tachá-lo de assassino, dizendo aos berros que a história da enfermeira era pura
invenção sua.
Em pânico, o pobre Doutor Pablo Antero sai em
desabalada carreira para seu carro e se refugia em casa.
No dia seguinte, as manchetes dos jornais: Polícia caça médico assassino ... Médico
criminoso pode ser preso a qualquer momento.
Já estamos na sexta-feira que antecede o Círio.
Pablo está desesperado. Não come, não dorme, e o menor ruído é o suficiente
para se apavorar. À tardinha, após muita insistência de sua mãe, resolve ir
deitar-se no cômodo superior do imóvel.
Enquanto isso, no imenso quintal, a molecada,
ansiosa, aguardava o momento da correria para capturar o patarrão que seriam
abatido para o almoço do Círio.
Lá em cima, totalmente alheio, Pablo está com os
olhos fixos no vazio do teto, ao sabor dos seus mais negativos pensamentos.
De repente, entra em desespero ao ouvir os
alucinados gritos vindos de baixo: “Corram. Cerquem a casa. Não deixem ele
fugir. Se pular o quintal já era.
Pronto. No seu já fragilizado raciocínio,
imaginou que a polícia acabara de chegar, e, pelos berros, pareciam dispostos a
levá-lo preso de qualquer maneira.
Pensa rápido. Vai para para a porta do quarto, e
grita, em plenos pulmões, já com as mãos para os altos: “Não atirem. Eu me
rendo. Estou desarmado.”
Enquanto
isso, ao fundo do quintal, as crianças, em altas gargalhadas levantavam, como
troféu, o patarrão que acabaram de perseguir e apreender.