quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Falta de punições decepciona procurador da República

O procurador da República Ubiratan Cazetta (na foto) mal conseguiu disfarçar a sua decepção, o seu quase desencanto diante da impunidade com que são brindados, ainda hoje, os envolvidos no caso das fraudes na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
“Até agora, eu não tenho conhecimento de uma só sentença que tenha transitado em julgado”, lamentou Cazetta, o palestrante de ontem no seminário sobre improbidade administrativa que o Ministério Público Federal promove e que inclui, além das palestras, uma exposição montada na Casa Rosada (Generalíssimo, entre Boaventura e Domingos Marreiros)
Não apenas a Sudam, todavia, é motivo de decepção. O procurador mostrou-se preocupado com a falta de efetividade do Judiciário em ações de todo gênero. Falta de efetividade é traduzível assim: a demora em resolver as questões, em sentenciar, em punir num prazo pelo menos razoável aqueles que infringem as leis, sobretudo os que embolsam descaradamente recursos públicos.

Treze anos depois, e nada
Cazetta contou, por exemplo, que a primeira ação civil púbica proposta por ele, na condição de membro do MPF, foi em 1996. Era um caso envolvendo um garimpeiro. “Eu até evito verificar como é que anda hoje essa ação. Mas tenho certeza de que até agora esse caso ainda não foi sentenciado”, afirmou o procurador.
Ele não atribuiu apenas ao Poder Judiciário a responsabilidade por essa. Dividiu-a com outras instâncias e enfatizou várias vezes que, no seu entender, é preciso mudar a mentalidade para fazer com que a demora e o formalismo a que se apega a Justiça brasileira sejam pelo menos um pouco reduzidos.
Sobre mudança de mentalidade, Cazetta demonstrou que o bom senso e o senso de justiça devem se sobrepor ou, por outra, devem suprir eventuais lacunas nos códigos, tudo isso convergindo para que os processos sejam julgados com maior celeridade e se evitem prescrições que fatalmente colocarão a perder todo o esforço do Ministério Público e das instâncias inferiores do próprio Poder Judiciário, quando condena os envolvidos em qualquer espécie de delito ou ilícito.
É o caso, lembrou o procurador, das ações de improbidade, muitas das quais, como a da Sudam, envolvem desvios de montanhas de dinheiro. Nesses casos, acrescentou Cazetta, é preciso dar prioridade a esses processos, é preciso impulsioná-los com maior empenho, porque o grau de lesividade dos ilícitos de que tratam é muito grande e, além disso, envolve dinheiro público.
Cazetta exemplificou: um processo referente a fraudes em benefícios previdenciários não pode ter prioridade em relação a um que trata sobre trabalho escravo, crime este muito mais grave, muito mais atentatório à dignidade humana do que aquele. Caberia ao sistema judicial, ensinou o procurador, intuir naturalmente que processos assim devem ter uma atenção maior, sob pena de prescreverem, em benefícios dos criminosos.

Especializar varas não é a saída
Em resposta a uma indagação do blog, Ubiratan Cazetta mostrou-se cético quanto à criação de varas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e as ações penais que delas eventualmente decorram. Receia o procurador que a criação de varas com essa finalidade específica resultem concretamente, ao fim e ao cabo, na criação de mais uma gavetona para guardar processos que acabarão na vala comum da prescrição.
Também em resposta a uma pergunta do blog, o procurador admitiu que a criação da Controladoria Geral da União contribuiu decisivamente para o desvendamento de atos de improbidade envolvendo gestores públicos. O Ministério Público Federal, disse o procurador, tem aproveitado frequentemente as preciosas, detalhadas informações da CGU para instruir seus procedimentos. Mesmo assim, disse Cazetta, a estrutura com que atua está aquém da necessária para inibir de maneira mais efetiva condutas lesivas aos cofres públicos.
O seminário termina nesta quinta-feira. A partir das 17h, no auditório da Justiça Federal (Domingos Marreiros nº 598, entre Generalíssimo e 14 de Março), o procurador Daniel Avelino vai falar sobre o caso dos kits escolares, o maior escândalo do governo Ana Júlia, que resultou no ajuizamento de uma ação de improbidade contra secretários, empresários e uma empresa, a Double M.

4 comentários:

  1. Se o procurador, que sabe, conhece dos assuntos jurídicos e acompanha os processos, está desanimado e decepcionado, imagine qual é o nosso sentimento!
    Esses decepção e desânimo minam nossas esperanças e desacreditam a justiça.
    E lá se esvai a capacidade de indignação.
    E, com ela, qualquer chance de reação.
    Triste e lamentável.

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  2. Quem dera tivéssemos uma dezena, ou mais, de Cazettas. Já faz tempo que ele está na linha de frente. Quando ele começou a aparecer dava para pensar que seria como os outros que acabavam de entrar, combatiam, combatiam e saiam de cena. Taí um incansável que continua com coragem. Parabéns ao grande homem público.

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  3. Brindados e "blindados" pela impunidade.

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  4. Em quanto tempo tramitaram os inquéritos policiais (IPL) relativos a esses casos antes que chegassem ao conhecimento da Justiça, com denúncias?

    Em quanto tempo tramitaram os procedimentos investigativos criminais (PIC) relativos a esses casos antes que chegassem ao conhecimento da Justiça, com denúncias?

    Somente assim poderemos avaliar qual órgão mais eficiente.

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