domingo, 30 de março de 2008

Uma voz dissonante sobre a ditadura de Chávez

Passou pelo blog uma voz, digamos, dissonante de Anônimo que concorda, mas não tanto, com a discussão que trava aqui acerca da nenhuma liberdade de Imprensa na ditadura Hugo Chávez, na Venezuela.
O Anônimo deixou comentário no post Jornalistas conheceram um pouco da ditadura Chávez. Vale a pena abrir espaço a ele, para que tenhamos em destaque a única voz discordante até agora. Discordar é essencial para fazer o contraponto ao debate. A unanimidade é sempre meio insossa. Não dá graça. Com tempero, é sempre bem melhor. Confira aí embaixo o que ele disse.

--------------------------------------

Sem querer defender Chavez, que é mesmo um caudilho da pior qualidade, pergunto aos coleguinhas anti-Chavez: quando voces investiram com igual virulência contra o capitalismo mais predador que dominou a Venezuela durante séculos? Quantos defenderam a liberdade de imprensa quando a imprensa venezuelana só dizia amém aos desígnios estipulados pelo poder dos petrodólares? Com essa posição, fica difícil acreditar em defesa dos verdadeiros direitos democráticos.

--------------------------------------

Conforme o blog já fez registrar lá na caixinha de comentários, o mais alentador no comentário do Anônimo discordante é o que ele reconhece logo no início: que Chávez “é um caudilho da pior qualidade”. Ótimo. Ponto para o discordante. Caudilhos – melhor seria dizer ditadores – são repulsivos. Supõe-se, então, que tem rejeita Chávez. Ótimo.
Mas parece – repita-se, parece – que o Anônimo reconheceu isso num tom meio culposo e com a intenção muito mais visível de oferecer a ele próprio a deixa que o conduziu às colocações subseqüentes, nas quais critica a suposta omissão de coleguinhas que hoje fustigam a falta de liberdade de Imprensa na Venezuela chavista, mas teriam imposto a eles mesmos um cala-boca – mais do que o cala-boca que o rei de Espanha deu em Hugo Chávez – diante da virulência do “capitalismo predatório” no País e diante dos “desígnios estipulados pelo poder dos petrodólares.” Convém ao Anônimo definir, primeiro, o que é capitalismo predatório e qual o conceito que ele faz sobre o regime econômico que hoje impera na Venezuela. A evidência demonstra que o atual regime econômico da Venezuela pode ser qualquer um, menos o “capitalismo predatório” que tanta inquieta e enoja o discordante.
Se não é mais o “capitalismo predatório” que impera na Venezuela chavista, como se denominar, como se caracterizar, que tinturas ideológicas atribuir a um ambiente econômico em que falta papel higiênico, o que obriga os consumidores a fazer filas nos supermercados para comprar produto essencial como este, vendido de forma racionada? Como classificar um ambiente econômico em que o consumidor só pode sair de uma loja se apresentar documento de identidade, exigido dos venezuelanos, e de passaporte, para estrangeiros?
Este país não é imaginário. Este país é a Venezuela. Este país, Anônimo, é a Venezuela pós-capitalismo predatório – e aqui permita-nos aceitar, apenas como hipótese, sua tese de que, antes de Chávez, o que havia por lá era um capitalismo predatório ao qual a Imprensa dizia “amém”, mas agora não, seria outro tipo de regime ou de sistema econômico.
E aí? Quando o cidadão é obrigado a racionar a compra de papel higiênico, mas não tem como racionar a expulsão de seus humores intestinais que devem higienizados com o papel higiênico, como é mesmo que se pode chamar esse tipo de ambiente econômico?
Neste aspecto, Anônimo discordante, considere fator dos mais relevantes: ao contrário de Cuba, que sofre há décadas um embargo comercial dos mais selvagens, a Venezuela tem livres relações comerciais com todo o planeta, inclusive com os Estados Unidos, que Chávez odeia.
Tem mais. O “poder dos petrodóloares”, ao qual você se refere, não é privilégio do período em que ainda vigorava na Venezuela o tal “capitalismo predatório” referido em seu comentário. Vige ainda hoje, agora, em plena ditadura chavista. A Venezuela passou a ser, sobretudo depois da ascensão de Chávez ao poder, ainda mais dependente do petróleo. E veja só: no período pós-capitalismo predatório, a Venezuela chavista registra inflação de 21%, a mais alta do continente. A queda na produção de petróleo já despencou de cerca de 3 milhões para 2,5 milhões por dia. E a taxa do desemprego já aumentou 39%.
Isto, Anônimo, são números.
O que é menos pior – o capitalismo predatório pré-Chávez ou o populismo predatório da era Chávez? O que é menos pior – o capitalismo predatório em que o cidadão pode higienizar-se à vontade, pode fazer a assepsia pessoal sem limitação de rolos de papel higiênico, depois de usar o vaso sanitário, ou o populismo predatório, em que o cidadão precisa combinar com seus intestinos para que racionem a produção, sob o risco de que o dono dos intestinos venha a ficar sem papel higiênico para higienizar-se?
Temos que escolher, Anônimo discordante, temos que escolher. Então vamos escolher: o capitalismo predatório é uma porcaria – mais do que ficar melado depois de usar o vaso sanitário sem ter papel higiênico à mão; mas o populismo predatório como o de Hugo Chávez é bom? Escolha.
A outra questão, Anônimo, diz respeito ao seu comentário de que a Imprensa venezuelana teria concordado com tudo isso – ou por ação ou por omissão. Alto lá: é preciso não generalizar. Imprensa adesista existe em todo e qualquer lugar – existe até na democracia chavista, veja só! Imprensa chapa branca existe em todo lugar – existe, ora veja, até no reino chavista da “liberdade relativa”. Imprensa que senta no colo do poder e vai ao delírio ao sentar-se existe em todo lugar – inclusive no reino do respeito à liberdade de informação, como é a Venezuela. Mas essa Imprensa, Anônimo, não é Imprensa. É um arremedo dela.
É demais, todavia, desconhecer que na Venezuela, como em todo e qualquer país, ao lado do arremedo de Imprensa existe a Imprensa de fato, que está sempre ao lado da sociedade, na condição de auditora do poder, permanentemente vigiado para que se atenha aos limites possíveis – ainda que não ideais – de condutas que não afrontem valores caros a uma sociedade democrática, inclusive e sobretudo o valor exponencial da liberdade de expressão, de informação, de opinião.
É justamente esse valor – o da liberdade plena de informar, discordar, opinar e confrontar preferências -, Anônimo, que está destroçado, aviltado, agredido e vilipendiado na ditadura reinante na Venezuela.
Em relação à Imprensa, Anônimo, não se tem conhecimento de que na Venezuela, no período que você denomina de “capitalismo predatório”, os jornalistas que discordam dos governos de plantão sofressem até hostilidades físicas como as que ocorrem hoje, fatos sabidos e consabidos de entidades que representam os jornalistas em âmbito internacional.
Como anteriormente, também temos que escolher, Anônimo discordante, temos que escolher. Então vamos escolher: o capitalismo predatório é uma porcaria – mais do que ficar melado depois de usar o vaso sanitário sem ter papel higiênico à mão; mas pelo menos permitia a crítica. E o populismo predatório, que persegue, maltrata, ameaça jornalistas e fecha emissoras de televisão que se opõem ao governo, esse populismo predatório é bom? Escolha.
Para um comentário de 460 toques seus, Anônimo, o Espaço Aberto replicou com 6.461. Fica o convite para que você volta aqui, se quiser, e explique melhor suas razões no mesmos 6.461 toques. Aliás, fique à vontade para ir além. Fique à vontade para usar até 64.600 toques, se quiser.
O espaço está aberto pra você. Volte como Anônimo mesmo. Não há problema de não se identificar.

A propósito da ditadura de Chávez e suas relações com a Imprensa, clique aqui, aqui e aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário