Em depoimento à repórter Monica Prestes, publicado na edição deste sábado (13) da Folha de S.Paulo, o piloto Antônio Sena, 36, paraense de Santarém, conta um pouco da saga que enfrentou durante 36 dias, desde 28 de janeiro, quando o avião que ele pilotava caiu perto da divisa do Pará com o Amapá, ao dia 6 de março passado, quando foi encontrado - exausto, tendo-se alimentado basicamente apenas com o que os macacos comiam e 26 quilos mais magro.
Antônio foi resgatado durante operação de busca que envolveu Força Aérea Brasileira, Corpo de Bombeiros e voluntários de dois estados.
Abaixo, a íntegra do depoimento.
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Sempre recebi convite para voar para o garimpo e, com o [preço do] ouro lá em cima e a gente precisando, aceitei. O salário de um comandante de uma companhia no Brasil chega a R$ 18 mil, o que dá uma diária de mais de R$ 810 para voar 22 dias, algo em torno de R$ 68 a hora. O voo de garimpo paga R$ 300 a hora.
Eram três dias de experiência e, no terceiro voo, aconteceu o acidente. Entre a pane e o impacto foram dois minutos, uma eternidade na aviação. Meu conhecimento da região amazônica e treinamentos me trouxeram muita calma.
Consegui informar que eu estava caindo e, como estava voando baixo porque era um voo de garimpo [clandestino], eu precisava fazer um pouso forçado.
Quando caí com o avião num igarapé, ele ficou coberto de diesel. A primeira coisa que fiz foi pegar as três garrafas de água de 500 mL que estavam lá. Consegui pegar ainda quatro latas de refrigerante, um pacote de pão, sacos de sarrapilha [usados para ensacar o ouro no garimpo], uma corda e minha mochila, onde tinha canivete, faca de bolso, lanterna e isqueiro.
Peguei tudo e me afastei da aeronave. Aos poucos, ouvi ela queimando.
Sabia que teria uma semana de buscas, então, aguardei no local nos primeiros oito dias. Me concentrei em fazer fogueiras para que vissem a fumaça, e ficava perto da clareira aberta pelo acidente.
Fiquei preocupado em me manter ativo, achar água, comida e fazer abrigo. Fiz uma barraca com duas forquilhas de madeira, folhas de palmeira e usei sacos de sarrapilha para forrar, cobrir a barraca e aquecer meus pés à noite, quando a temperatura chegava a 16°C.
No curso de sobrevivência, aprendi que, se os recursos são escassos, a pessoa não pode beber água nas primeiras 24 horas nem comer nas primeiras 48. E que é preciso garantir as primeiras necessidades: água, abrigo e fogo.
Se eu tive medo? Várias vezes. À noite, mais, porque é um momento em que a floresta te envolve nos medos mais profundos.
Improvisei uma vara com uma faca amarrada e dormia com ela no peito, caso algum animal aparecesse. Sei que a água atrai bichos, então, evitava dormir perto de igarapés.
Pela manhã, ouvia as aeronaves de busca, mas elas passavam mais longe e com menos frequência a cada dia. No oitavo dia, decidi caminhar para buscar ajuda.
Como estava voando com aplicativo GPS no celular, que resistiu à queda, e tinha a carta aeronáutica, pensei em usar o aparelho como bússola. Mas, sem sinal, eu só tinha um ‘print screen’ do mapa.
Decidi caminhar para o leste, na direção de três pistas de pouso marcadas ou do rio Paru. Logo no primeiro dia de caminhada tive uma crise de hipoglicemia, desmaiei e acabei tendo que tomar a última lata de refrigerante.
Água eu tinha bastante; já a oferta de frutas era pouca.
Eu me alimentei muito de uma frutinha chamada breu, que conhecia só como fonte de fogo. Onde via, pegava e guardava, mas não sabia que era comestível até acabar o pão e, eu, com fome, comecei a observar os macacos. Tudo o que eles comiam eu comia também.
A base da minha alimentação foram as frutas. Mas também encontrei ovos de aves.
Nos 36 dias, encontrei ovo três vezes, taperebá [cajá] duas vezes e cacau três vezes, mas o que me alimentou mesmo foi o breu. Acontecia muito de eu passar três dias sem comer. Assim, eu perdi 26 quilos.
Com o celular já sem bateria, meu relógio me ajudava a condicionar a rotina. Caminhava até umas 14h e a partir dali, precisava providenciar abrigo e fogo.
Até que umas 16h de sexta (5), eu vi uma lona cheia de castanhas e pensei: "Essa é uma área de castanheiros". Fui seguindo até encontrar um rapaz, me apresentei e contei o que aconteceu. Ele perguntou: "E o que a gente faz?". Respondi: "Primeiro, me dá duas castanhas dessas".
Eles me levaram para um barracão, onde conheci a dona Maria Jorge. Ela disse que ligaria para minha família com um rádio amador e me preparou leite quente com bolacha.
Eu já estava muito fraco, com perda de visão e desmaios há três dias. Os exames que fiz depois apontaram um nível de desgaste muscular como se eu tivesse corrido uma maratona a cada dois dias.
Eles entraram em contato com meu irmão, em Santarém, e minha mãe, em Brasília, e disseram para ela: "Seu filho mandou avisar que ele está vivo". No dia seguinte, fui resgatado.
Muita gente falou que eu venci a floresta, mas eu só passei por ela. E ela me sustentou, me deu água, alimento.
A floresta não está lá para te matar. Ela é o sustento dos castanheiros que me salvaram. Tem algumas lições para tirar dessa história. Uma delas é a de que, para o garimpo clandestino, eu não volto.
Tenho muita vontade de voltar a voar. Mas isso tudo faz a gente repensar. Importante é ter família, teto e comida. Se você tem um teto, agradeça. Se tem família, cuide dela. Se pode ajudar alguém, ajude.
É clichê, mas não tem como fugir: nasci de novo.
So tem uma explicação Deus existe e maravilhoso com seu imenso amor por nós ,ele permite a tempestade para provar a nossa fé .
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