quarta-feira, 9 de agosto de 2017

As guerras deles têm horrores. As nossas guerras também.


Os dramas de refugiados - sírios, sobretudo - que nos últimos anos têm invadido países da Europa nem sempre merecem de nós, brasileiros, a atenção que exigem todos os eventos expressivos da degradação humana.
E talvez não mereçam de nós essa atenção por dois motivos básicos: porque, felizmente, estamos distantes das guerras travadas em outros continentes e porque já temos as nossas guerras por aqui.
Nas nossas guerras diárias, crianças são arrastadas por quilômetros na rabeira de veículos dirigidos por bandidos, crianças são mortas por balas perdidas em suas próprias escolas e o crime organizado faz centenas de vítimas, diariamente, em todo o País.
Nas guerras travadas longe de nós, os horrores fazem com que pais desconheçam a certeza da morte representada pela fuga em botes infláveis e exponham a eles próprios e seus filhos aos riscos de um fim trágico, como é o caso do garotinho sírio que morreu no mar e foi dar a uma praia da Turquia, em setembro de 2015, como registrado numa das imagens mais chocantes, pungentes, trágicas e dolorosas já captadas pelas lentes de um fotógrafo desde o fim da Segunda Grande Guerra.
Nas nossas guerras, o cidadão que acorda numa manhã qualquer e sai à rua pode ser assaltado e perder a vida na porta de casa.
Nas guerras deles, o cidadão pode acordar de manhã, sair à porta de casa, vislumbrar as cerejeiras ainda em flor, os carros passando lentamente e um cachorro esquelético levando na boca uma cabeça.
Sim, um cachorro levando na boca uma cabeça - humana, de gente. Uma cabeça seccionada do corpo de alguém.
"Temos que partir, rápido". Quando acabou de ver a cena tétrica do cachorro com uma cabeça humana na boca, foi a essa a reação imediata do professor Joude Jassouma, anunciando à esposa, Aya, que tinham de fugir de Alepo com a filhinha Zaine.
A descrição dessa aventura está no livro Eu Venho de Alepo (Editora Vestígio), um relato emocionante sobre a fuga, para a liberdade, de uma família compelida a abandonar sua terra natal, seus parentes e amigos por não suportar mais tanto horror, tanta crueldade, tanta violência produzidos pelos confrontos entre o exército de Bashar al-Assad e as forças rebeldes lideradas pelos jihadistas da Frente al-Nusra e do Estado Islâmico.
No livro, Jassouma descreve seus esforços para estudar, para formar uma família, para lecionar francês e, quando não mais foi mais possível viver em seu país, seus esforços para fugir de Alepo e procurar a paz.
E mais: em meio ao drama de atravessar o Mar Egeu com a mulher e a filha de colo, Joude Jassouma ainda teve que enfrentar as tensões antes de ser acolhido na França e os desafios de demonstrar, com suas condutas, que refugiados de países islâmicos não podem e nem devem ser vítimas de estigmas e preconceitos odiosos.
"Gostaria ainda que este livro fornecesse uma imagem diferente dos refugiados. Compreendo os temores dos franceses, os traumas provocados pelos atentados de Charlie Hebdo, do supermercado Hyper Cacher, do Bataclan, de Nice... Gostaria de dizer para não terem de nós: estão vendo, somos como vocês", diz Joude Jassouma.
Leiam Eu Venho de Alepo.

Inclusive para constarem que as guerras deles, em muitos aspectos, não estão muito distantes das nossas guerras.

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