terça-feira, 5 de julho de 2016
Sem lenço e quase sem esperança
Olhem só.
A crônica a seguir, sob o título acima, está publicada na página 2 do caderno Magazine de O LIBERAL desta terça-feira (05).
É assinada por Vera Cascaes.
Ela narra um assalto que sofreu na área próxima ao Ver-o-Peso que você vê aí na imagem do Google Maps.
Como ela, tantos outros - e outras - sofrem o mesmo tipo de violência.
Particularmente, tenho desestimulado visitantes de outros Estados de passarem por essa área, quando estão em Belém.
Mas como diz a autora: "Penso em voltar lá. Vou voltar, para provar para mim mesma que essa cidade me pertence."
Pois é.
Ter a sensação de que Belém nos pertence, e não a bandidos à solta: é isso que almejamos todos nós, todo dia, o dia toado, nesta Belém refém da violência.
Leiam a crônica.
--------------------------------------------------------------------
Às quinze horas eu estava apressada. No sábado aconteceria a festinha das minhas netas e alguns detalhes haviam me escapado. Dirigi rumo ao centro repassando a lista do que ainda haveria de comprar. Tinha a sensação de ter esquecido alguma coisa.
No estacionamento após a Estação das Docas, pensei novamente que precisava ser rápida. O sol não estava castigando e eu estava muito feliz. Minutos antes havia transmitido minha crônica para O LIBERAL, falando do quanto amava alguns pontos pitorescos da cidade. Até aquele momento, jamais havia me sentido uma intrusa, pelo contrário.
Como sou desastrada, foquei o caminho, evitando buracos. Quando passei na barraca do peixe-frito, o atendente me chamou, insistentemente. Àquela hora, nas mesinhas da calçada da parte mais alta que vai dar nas barracas de cestaria e artesanato, alguns clientes conversavam, pratos vazios indicando que estavam satisfeitos, curtindo um descanso. Ele me chamou de novo e de novo, mas eu estava apressada.
Em cinco minutos já estava voltando, sem olhar para os lados. Na cabeça, um pensamento martelava... “Esqueci alguma coisa...”
Estava a menos de dez metros do carro onde um “flanelão” se aboletara e me olhava, sem nenhuma reação estranha. Adiante, o “Fiscal” da Prefeitura trocava a cadeira de lugar, buscando uma sombra.
Percebi o vulto de um cotovelo no meu lado esquerdo e, ao mesmo tempo, o contato da palma da mão que, com técnica absurdamente precisa e rápida, me segurou o pescoço por trás, e, enquanto me aplicava uma joelhada na altura dos rins, com a direita empurrou minha cabeça pra frente agarrando os dois cordões, puxando-os num solavanco. Tudo durou quatro segundos, se tanto. Nessa fração, ainda esbocei um pensamento, na esperança que fosse um amigo que sempre nos prega sustos. Quando tentei virar para reclamar, a ficha caiu.
O homem (um metro e sessenta, camisa branca com estampa azul, bermudão cinza e chinelos) empreendeu uma corridinha por uns doze metros, me encarou com ódio, guardou as joias no bolso e saiu caminhando, sem que ninguém fizesse algo. Naqueles quatro segundos lembrei o que havia esquecido e entendi o que o “boieiro” tentou me alertar.
Nunca vá a lugar nenhum com nada que possa ser cobiçado. Logo eu, frequentadora de feiras e comércio, esqueci-me de retirar os cordões que já faziam parte de mim. Dali em diante foi choro, desespero, pânico - e raiva. O fiscal disse que aquilo acontece o tempo todo e que não há o que fazer, eu devia procurar a delegacia no Largo das Mercês. Nem sei como dirigi até lá. Na calçada oposta, um soldado da PM, vendo que parei o carro em local proibido e não me mexia, tentou me acalmar e me desencorajou a enfrentar a burocracia para registrar um B.O. Em dez minutos dentro do Ver-o-Peso o punguista já devia ter passado o fruto do assalto a outro, que por sua vez já teria tomado um ônibus. Pouco adiantava saber a roupa, usam duas camisas bem diferentes e após um roubo, invertem-nas e colocam - ou tiram - o boné.
No passado a prefeitura tentou isolar aquele estacionamento e o setor do turismo reclamou, uma vez que bloqueava o acesso à orla. Por mais que seja oficialmente gratuito, a administração municipal tem responsabilidade legal pelo que possa ocorrer naquele espaço, impossível de controlar da forma como está, cheio de malandros vagando livremente. Um arquiteto encontraria solução para isolar a área, garantindo a segurança pelo menos para embarque e desembarque, permitindo livre acesso à calçada da orla. E que fosse cobrado, para manter as boas condições.
A repercussão foi enorme. Abstive-me de maiores comentários para ter certeza de não cometer, inclusive com a prefeitura, nenhuma injustiça.
Quem me dera que o fato fosse pouco frequente. Não é. Tive apenas uma pequena demonstração do que a população sofre no seu dia a dia, saqueada nas ruas e nos transportes coletivos, muitas vezes com crueldade e deboche.
Centenas de pessoas relataram experiências com assaltos; algumas, várias vezes!
Inicialmente, sobra um ressentimento enorme das duas esferas governamentais. O que estão fazendo, meu Deus, enquanto bandidos nos roubam e nos matam? Francamente? Eu nem sei mais o que podem fazer.
O Brasil enfrenta uma doença, contagiosa, que banalizou o crime. Quando eu era jovem, roubava quem não tinha o que comer. Quando minha filha era adolescente, roubavam para manter o vício. Hoje, a coisa é pior. Além disso, e da falta de empregos, existe ódio, feroz, contra quem tem alguma coisa. Seguindo assim, enfrentaremos uma convulsão social.
O olhar do ladrão me dizia que eu estava num lugar que não me pertencia.
O Brasil é um rebanho que foi perdendo seus pastores, está degenerado por conta de maus exemplos, do quanto nos roubaram.
Não se engane ao reclamar que “não tinha um segurança sequer no local”. Do jeito que nos atacam como zumbis ou cães famintos, nem um segurança a cada cem metros resolve. O que será futuramente? Viveremos sitiados?
Nem que a prefeitura tivesse cinco mil guardas o problema seria resolvido. A questão é mais profunda.
Sei que precisam investir muito mais em segurança, mas também tenho certeza que só isso não basta. Trata-se de educação de base, de formação de caráter. Duvido (sou capaz de apostar o que me sobrou!) que aquele sujeito tenha procurado trabalho. Ele não quer trabalhar, quer, de qualquer jeito, o que os outros possuem. Não pense que pode ser recuperado, a enorme e assustadora maioria não pensa em reabilitação. Odeiam quem possui alguma coisa e no fundo, parecem ser movidos pelo desejo de igualdade, a qualquer custo. Antes, ladrões não roubavam vizinhos. Atualmente, pessoas humildes da periferia não têm segurança em lugar nenhum. E quem reclamar, leva facada. Ou tiros.
Ninguém está a salvo, nem mesmo o policial federal que levou uma bala na cabeça sem ter reagido.
Vocês tem ideia de quantos “pequenos infratores”, que roubam sem matar (ou traficam quantidades pequenas de drogas) são detidos todos os dias, apenas em Belém? Pensemos que numa semana sejam menos de trinta. Onde esses delinquentes ficariam até que os processos (são milhares) corram? Se condenados, como abrigar e alimentar toda essa gente? Lá pelas tantas, diante da superlotação dos presídios, o juiz se vê obrigado a liberar os que cometeram crimes menos graves e os pivetes voltam para as ruas com pós-graduação em crime e uma raiva muito maior.
A segurança no Brasil não terá solução se os políticos não tiverem coragem para mudar as coisas. Há que se educar as crianças e, podem me criticar à vontade, promover planejamento familiar para que mães humildes não tenham filhos em risco de delinquência. Essa é uma necessidade que os falsos moralistas criticam, mas a verdade é que quanto mais crianças desassistidas, mais potenciais delinquentes estarão nas ruas. Isso é fato. A ignorância é a mãe de todos os males.
A estadia nas cadeias devia, necessariamente, ser cobrada do preso. Fornecer bolsa-bandido à família é uma das grandes aberrações que esse governo indecente nos legou como herança maldita. O preso tem que trabalhar, em fábricas ou em serviços públicos, para pagar o que custa aos nossos bolsos.
Mas os governos estão dispostos a gastar com a reforma do sistema prisional? Em vez de mestrado no crime, aprenderiam a fazer algo, por bem ou por mal. Não trabalha, não come. Simples assim.
Penso em voltar lá. Vou voltar, para provar para mim mesma que essa cidade me pertence. Enquanto isso... Bem, o que me resta fazer?
Bom dia!
Claro que nada justifica a violência, mas jóias? Não seriam bijuterias? Agora poster se o visitante insistir em conhecer, diga para não levar jóias, muito dinheiro, celular etc.
ResponderExcluirTudo pelo social, olha as conquistas sociais...
ResponderExcluirEnquanto isso, a pátria mãe dormia é subtraída em tenebrosas transações...
Né cumpanherus e demais político$ de todas as bandeiras?!