sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Guerra e pesquisa

Por NÉLIO PALHETA, jornalista

Nesta altura do campeonato eleitoral – e nunca como antes se deu em outra eleição - as pesquisas tornaram-se instrumentos de mistificação de candidatos e nebulização de discursos. Tudo que se diz numa campanha eleitoral passa pelas pesquisas e, assim, as propostas acabam sendo pulverizadas, literalmente. Com base nas pesquisas, já constatamos quanto candidatos falsos já engolimos por terem sido mistificados, na expressão exata do vocábulo. Ou quantos candidatos verdadeiros desmentiram as pesquisas e a imprensa.
As pesquisas viraram o não-topos político, lugar para a “educação” (ou “civilização”) do eleitor que deveria ser, para se tornarem filtros de vontades e idealizações alheias. Isto é, as pesquisas deixaram de ser um lugar onde podemos entrar para avaliar, refletir, julgar e, a partir de seus dados, decidir. Viraram o local, disputado e esperado a cada telejornal, onde se revela a não-consciência político-ideológica. Transformaram-se - repita-se – em mecanismos de endeusamento, mistificação e dominação; espaço onde se pregam peças no cidadão.
 “Cinco Dias em Londres”, o excelente livro de John Lukacs sobre os movimentos diplomáticos e miliares de Winston Churchill nos seus derradeiros momentos antes do Dia D, revela que o primeiro ministro inglês usou os levantamentos do Gallup para avaliar as decisões que levaram ao fim da II Guerra. A guerra que se assiste no país, hoje, não tem nas pesquisas um só dígito de dignidade, por serem inconfiáveis.  Se a opinião pública britânica foi suporte fundamental em 1945 – consultada no calor do medo do nazismo, contido pelo valor das forças aliadas, principalmente da Real Força Aérea Britânica - aqui, não influenciamos em nada por sermos massa de uma manobra estatística reprovável.
Quem lembra do caso da Globo versus Brizola?  Foi episódio divisor de águas, mas a imprensa anda reverberando, mais recentemente, aquilo que os políticos mandam os institutos fazer. Será que estão certos? Os institutos, assim como a imprensa, deveriam ser instituições independentes. Mas, qual imprensa é independente?
Os levantamentos eleitorais parecem depreciar a capacidade de decisão do cidadão. Somadas à propaganda também duvidosa, as pesquisas acabam ora tolhendo ora conduzindo a decisão do cidadão. Podendo ser livre para pensar, o eleitor é capturado na “adequação” (ou manipulação?) de questionários e dados (que viram fatos), dependendo do caráter do político interessado na pesquisa.
Os institutos são empresas que vendem seus serviços. Nada errado! Mas podem ser contratados por políticos muitas vezes interessados não exatamente na apuração científica, mas no levantamento conforme suas necessidades. E o que não falta nesse jogo é político inescrupuloso usando as pesquisas como meio de conduzir o eleitorado, como se este fosse uma manada sendo tocada para o curral eletrônico da urna.  Sendo ciência exata, não são exatamente as pesquisas que induzem comportamentos  individuais e coletivos, mas seu uso conforme o calor da contenda e da tática de tornar tudo nebuloso para confundir o nobre eleitor – a maioria tão pobre (de recursos e muitas vezes de caráter também), entre os quais, muitos acabam vendendo o voto para comprar o almoço do dia do pleito. E sempre há candidato com muito capital e pouca moral.
No cenário criado, a medição das intenções e possiblidades de votos não só perturba a ordem da prática político-eleitoral como  termina  criando no indivíduo incauto o esdrúxulo sentimento de gado sendo tocado. A manada fora da qual ele se sentirá parte sendo minoria perdedora.  E ninguém quer perder o voto!
... O eleitorado manipulado até se criar uma nova (des)ordem (ou imoralidade) social.

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