segunda-feira, 30 de junho de 2014
Os bolcheviques e o banqueiro marxista
As páginas da História estão sempre nos mostrando acontecimentos que jamais pensaríamos que pudessem ter acontecido. Além dos aspectos ideológicos, organizacionais e estritamente políticos, as revoluções precisam de recursos para serem bem-sucedidas. Dentre as vitoriosas, algumas conseguem se sustentar apenas com o apoio de militantes, enquanto outras captam recursos das formas mais variadas. Além dos aventureiros e revolucionários, o custeio de uma revolução é alto, e isso porque, além do fermento doutrinário, a derrubada de um sistema político exige recursos humanos e financeiros.
Por mais paradoxal que possa ser, os bolcheviques obtiveram recursos em Berlim para financiar os revolucionários russos com dezenas de milhões de marcos. Agindo na sombra e até ignorado, o banqueiro marxista Israel Helphand adotou o pseudônimo de Parvus, o “pequeno” ou o “pobre”, dupla ironia em relação à sua corpulência e à sua futura riqueza. Nasceu em 1867, no coração da Bielo-Rússia de Marc Chagall, seu primo mais afastado. Após os estudos secundários, partiu para a Europa Ocidental. Em Zurique, juntou-se ao grupo marxista no exílio, essencialmente a Pavel Akelrod e Gregory Plekhanov. Logo se tornaria jornalista na imprensa social-democrata alemã, dedicando-se às questões russas.
“Acusam-me frequentemente de ter feito a nossa revolução com o dinheiro alemão. Mas, em contrapartida, é com dinheiro russo que vou desencadear a mesma revolução na Alemanha”. Essa incrível declaração é de Lenin. O kaiser Guilherme II tentava enfraquecer o czar Nicolau II porque a Rússia concluíra em 1907 um pacto com a França e a Grã-Bretanha, a chamada Tríplice Entente, que literalmente fazia um cerco à Alemanha. Por intermédio de Parvus, que mantinha relações com os serviços secretos alemães e os revolucionários russos, um acordo secreto foi concluído.
Três anos mais jovem do que Parvus, Lenin encontrou-o em 1901 em Munique. Mais que o fundador do Bolchevismo, é com Trotski que Parvus manteria relações entre filiais e fraternais. Lenin permanecia fiel ao modelo centralizado e sectário do partido clandestino; Parvus e Trotski acreditavam na criatividade das massas operárias, no advento da liberdade e no nascimento de um partido social-democrata russo conforme o modelo alemão. Com as derrotas militares para a Manchúria em 1905, foi a visão ampla de Trotski e de Parvus que se impôs. Dirigiam juntos o Soviete dos operários de São Petersburgo, que não dava sossego ao poder czarista. Seria mais justo dizer que Trotski contribuiu com a sua retórica apaixonada e que Parvus-Helphand (que abandonara o nome de Israel) foi a cabeça estratégica: ele criou a noção da “revolução permanente” para justificar a ideia de que uma Rússia ainda feudal poderia realizar a sua revolução “burguesa” sem a direção de um partido operário.
Inteligente, continuou financiando o partido social-democrata russo. Em 1907, uma aguda crise financeira contribuiu para a exacerbação das lutas internas. Apresentava-se assim novamente o problema clássico dos fins e dos meios, que dividira gravemente, no seio do partido nascente antes de 1905, os bolcheviques de Lenin e os mencheviques (todos os demais). Os bolcheviques juntaram-se, principalmente no Cáucaso, aos bandidos para assaltar bancos e extorquir capitalistas. Essa operação assumiu, aos olhos de Lenin, uma dupla importância, já que liberava o partido da sua dependência financeira dos amigos socialistas alemães.
Em Copenhague dede a segunda metade de 1916, Parvus estabeleceu um instituto para servir de fachada aos serviços secretos alemães e que destinaria dezenas de milhões de marcos ouro da época aos bolcheviques, a fim de financiar a revolução e a sabotagem na Rússia. Obviamente, o dinheiro foi assegurado. Lenin e Parvus morreram em 1924, consumidos pelos excessos, alucinados pela terrível certeza do fracasso de suas quimeras.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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