segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Elementos de uma tragédia anunciada

A história é nociva por si só, mas também expõe a face nebulosa das masmorras da intolerância. Os problemas brasileiros também são os mesmos há muitos anos. O sistema carcerário no Brasil está falido faz muito tempo. Junte-se a isso a violência policial que assusta, massacra, usa requintes de crueldade e de quebra, se envolve com a criminalidade. Recentemente, no entanto, o brasileiro foi tomado pelo otimismo. A solução de partes dos problemas nacionais, parecia, ao menos, encaminhada.
            Mas a violência continuava a existir e os índices de criminalidade baixavam nas grandes capitais. Contudo, quando se pensava que tudo estava sob controle, o início de 2014 marcou o fim da onda de otimismo. Cenas chocantes em presídios no Estado do Maranhão – e, como mostrou a mídia, também em outros Estados do Nordeste – mostram quanto estamos distantes de resolver um dos maiores problemas deste país: o da segurança pública.
            Com a superlotação de presos, as transferências para prisões federais podem fortalecer as facções criminosas. O exemplo são as transferências de presos do Maranhão para penitenciárias da União que se tornou uma panaceia ao longo das últimas semanas. Segundo especialistas, eles retornam mais organizados, sobretudo após o contato com líderes de facções criminosas. O Primeiro Comando do Maranhão, o PCM, por exemplo, é nitidamente inspirado no Primeiro Comando da Capital, o PCC, que em São Paulo criou um esquema de arrecadação e organização empresarial do tráfico, tendo os presídios como base territorial de seus líderes.
            Esse cenário de barbárie parece nos remeter às masmorras medievais onde se praticavam atos de violências no estilo de conflitos tribais. Em 2013, 62 presos morreram no complexo de Pedrinhas. Esse complexo, epicentro da crise, possui mais de 2,2 mil presos para cerca de 1,7 mil vagas. São comuns apreensões de centenas de armas improvisadas numa única revista pelas celas de uma unidade, inclusive armas de fogo. Os estiletes são improvisados com ferro extraídos de grades e até de lajes e paredes. Nos superlotados presídios, o crime organizado impera.
            O Maranhão ostenta alguns dos piores indicadores sociais do país. Na terra do clã Sarney, em meio à crise no sistema penitenciário, o governo de Roseana Sarney montava um edital de R$ 1,1 milhão para a compra de lagostas, camarões, foie gras, caviar e outras iguarias para o Palácio dos Leões, sede do governo, enquanto o poder no sistema prisional era disputado por duas facções: PCM e Bonde dos 40. O PCM é o mais antigo do Maranhão e é formado basicamente por detentos do interior do estado. O Bonde dos 40 é composto, em sua maioria, de jovens das regiões periféricas de São Luís e são conhecidos pelo comportamento mais impulsivo e violento.
O PCM é bem estruturado, foi fundado em 8 de novembro de 2003 e segue as mesmas diretrizes do PCC. Detalhe importante, assim como no caso dos paulistas, as normas ditadas pelo PCM preveem, além do pagamento mensal às lideranças, punição com morte caso o preso vá contra os fundamentos estipulados pelo estatuto. Para abandonar a facção, só virando evangélico, largando o crime ou após a morte. Essas informações são confirmadas pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Maranhão, Luis Antonio Pedrosa.
O PCC, grupo liderado por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola espalhou sua “organização empresarial” e possuía 2.398 representantes em 22 estados da federação. No Maranhão, documento apreendido pelo MP mostra que o PCC, ainda em 2012, contava com 44 membros. A falta de atenção ao sistema prisional e a ineficiência das autoridades era tanta que, segundo os promotores, foi criado um departamento dentro da facção apenas para cuidar do tráfico nas prisões, denominado de “Sintonia Geral do Sistema”. Pois é, essas masmorras reúnem vários elementos de uma tragédia anunciada.
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Sergio Barra é médico e professor

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