terça-feira, 12 de novembro de 2013
Pelo retrocesso
O mais recente embate entre Executivo e Legislativo nos Estados Unidos quase levou o país mais uma vez à beira do despenhadeiro, aliás, local que eles adoram frequentar, enquanto o mundo respira fundo, contorcendo-se para que a maior potência do planeta não caia. Com duração de mais ou menos três semanas, democratas e republicanos travaram uma luta sobre o aumento do teto da dívida americana. Por um fio, o impasse não obrigou o governo a declarar uma inédita moratória, que poderia devastar a economia mundial. Felizmente, houve acordo para o fim do embate. A divisão quase levou ao calote dos EUA.
Existe uma divisão histórica nos EUA. Os Estados conservadores são maioria, mas têm população menor. Os liberais, em minoria, têm mais gente. Foi essa situação que ajudou o presidente Barack Obama a se reeleger, em 2012. Mas não foi favorável para lhe dar uma situação confortável para candidatos democratas à Câmara dos Deputados. A mais recente mudança nos distritos eleitorais, que ocorre a cada dez anos, favoreceu os republicanos.
A culpa da crise não é apenas dos radicais republicanos. Desde seu primeiro mandato, Obama se mostrou melhor em campanha do que na cadeira de presidente. Sua inabilidade de negociar com o Congresso para conseguir uma “maioria governante” e obter acordos bipartidários para questões urgentes e estruturais tem tragado seu segundo mandato. Nos últimos meses, Obama se enfraqueceu com decisões desastradas, com as idas e vindas à proposta de intervenção na Síria.
É interessante como não percebem (ou fazem que não percebem) que já estamos em pleno século XXI. Utilizam-se, ainda, de uma agenda de retrocesso explícito aos valores do século XIX, que tomou corpo com o surgimento do Tea Party. Há certa invocação nostálgica de uma era em que os negros e os pobres “sabiam o seu lugar”. É de notar o simbolismo do uso frequente tanto de símbolos da Guerra de independência quanto da bandeira dos confederados escravistas nesse movimento.
Mais adiante das conotações racistas há um apelo aos valores dos EUA anteriores à Guerra Civil - governo federal reduzindo a função militar e policial, sem regulamentação ambiental e financeira, educação pública e programas sociais. E, por trás de tudo, a sacralização da Constituição: em vez de se discutirem as realidades e necessidades de hoje, argumenta-se sobre o que George Washington ou James Madison aparentemente pretendiam há 226 anos.
O país tornou-se incapaz de conduzir uma política fiscal coerente e à beira de um calote não por razões econômicas, mas pela insistência do Tea Party em desmantelar a política de saúde de Obama, teimosia à qual os republicanos moderados se dobram por medo de perder suas candidaturas futuras para rivais mais radicais.
Tais posições, cada vez mais frequentes, fazem pensar se a tão louvada Constituição de mais de 200 anos não se tornou uma excrescência contraproducente. Precisariam os EUA de uma mudança de paradigma? Se precisam, o primeiro obstáculo é a própria Constituição. Se passou por poucas mudanças, foi menos por não necessitar delas do que pela própria dificuldade da proeza. Além de obter maioria de dois terços em cada uma das casas do Congresso Federal, uma emenda precisa ser ratificada por três quartos dos legislativos estaduais, façanha obtida pela última vez em 1922 (Ufa!) e praticamente impossível na atual conjuntura.
Sabe-se, contudo, que o poder não admite vácuo. Se a combinação de uma Constituição anacrônica com uma polarização ideológica com a qual ela é incapaz de lidar resulta na paralisação do processo de decisão, instâncias menos formais assumirão o poder efetivo. Setores liberais começam a admitir que a fraqueza de Obama resultou num “golpe militar silencioso” pelo qual o aparato do Pentágono e o xeretar da NSA impõem políticas externas, militares, de segurança nacional e de espionagem, sem controle eficaz dos poderes civis.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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