Por ANA DINIZ, jornalista, em seu blog Na rede
Antes de mais nada, quero esclarecer que sou contra essa história de contratar profissionais estrangeiros sem mais, nem menos, como se eles fossem resolver a assistência nos rincões obscuros da pátria amada, Brasil. Primeiro porque eu não acredito que eles vão se submeter a atender só com a cara e a coragem; segundo por uma questão de reciprocidade: os portugueses detonaram nossos dentistas, os espanhóis devolveram nossos turistas, os norte-americanos obrigam nossos profissionais a voltar para os bancos de escola, e por aí afora. Porque nós vamos abrir as portas assim? Quanto aos cubanos é vergonhoso que o governo de Cuba alugue mão de obra médica, igual a qualquer empresa de terceirização. Além disso, eu não acredito que um médico formado em Cuba seja melhor que um formado no Brasil.
Mas os médicos estão devendo. E a conta é alta. A fieira de reclamações que vai a seguir não é só minha – aliás, a minha parte é pequena nesse latifúndio. É o que ouço e o que vejo acontecer. E nem são as mais graves, apenas as mais comuns.
Horários: médicos se comportam no consultório como os donos do tempo. Marcam a mesma hora para todo mundo e acrescentam “por ordem de chegada”. Você passa no mínimo uma hora esperando o médico para uma consulta que raramente ultrapassa os trinta minutos. Eles alegam os horários corridos – mas se esquecem que os pacientes deles também têm horários, a maioria tem patrões exigentes e família para cuidar. Eles alegam a desistência do paciente para não marcar hora. Quando marcam, atendem com hora de atraso. De vez em quando não aparecem: quer no SUS, quer no plano de saúde, é comum o cliente voltar da porta. Essa irritação é continuada, pague você ou não a consulta. E não conheço nenhum médico que dê atenção a isso.
Atenção: a medicina pode ser de massa, mas a pessoa do paciente não é. Ouvi uma vez um médico comentar que poderia fazer uma consulta de rotina em cinco minutos. E eu acredito, porque já vivi uma consulta assim: o médico sequer levanta a cabeça para olhar o paciente; lê o resultado do exame, escreve a receita, e, sem uma palavra (nem mesmo bom dia) despacha o infeliz que paga a duras penas o seu plano ou que depende do SUS. Exames mal feitos, diagnósticos superficiais e frequentemente errados (posso contar uma ruma de casos que ouvi) e nenhuma disponibilidade para uma orientação relativa ao andamento do caso. Isto é agravado pelo fato de não se conseguir uma consulta imediata quando necessário. E que não me venham com explicações furadas: a grande maioria dos médicos não usa o cadastro de pacientes para acompanhá-los. Também não avisa as suas leoas de chácara que o paciente fulano tem que voltar em dois ou três dias. O resultado, muitas vezes, é terrível.
Excesso de pacientes: tanto no atendimento público como no privado, os médicos se entopem de pacientes. Já vi agenda de médico com cerca de 40 consultas marcadas num turno de 14h a 19h. O serviço público pode perfeitamente controlar a quantidade de pacientes por médico, fora das emergências – mas os médicos que gerenciam esses serviços não fazem isso. Quanto ao particular, só depende do médico receber ou não mais pacientes do que pode. Eu conheço alguns poucos que limitam sua clientela: são os melhores, com certeza, porque têm tempo para o paciente.
Gestão de serviços: os médicos são cuidadosos e criteriosos, com toda razão, em defender suas prerrogativas profissionais. Mas eu me pergunto: porque tanto médico se mete a administrar? Porque eles têm tanta dificuldade para respeitar a profissão dos outros? Um dia destes um poderoso conselho de medicina declarou que o problema do SUS é de gestão. Eu concordo, incluo nisso os planos de saúde – só que acrescento: são médicos que gerenciam o SUS e os planos. O desvio profissional faz com que eles não tenham paciência com as ferramentas de planejamento, com as soluções administrativas, com os cálculos de microeconomia e epidemiologia. Teriam que ser polivalentes para conseguir bons resultados numa praia alheia. Mas não entregam a praia. Vai daí que, tanto na área pública como na privada, há desperdício, inabilidade, burocracia em excesso e complicações sem conta, hospitais ruins e ambulatórios péssimos. E o pior de tudo: lentidão, que agrava os casos simples e complica os difíceis.
Isolamento: os médicos, em sua grande maioria, trabalham sozinhos. Raramente um médico indica um colega que possa atender em sua ausência, curta ou prolongada. No setor público isto significa que o paciente vai ficar sem atendimento. No setor privado, desorientação, com resultados às vezes desastrosos em caso de emergências. Muitos profissionais de outras áreas têm esse hábito de referenciar um colega. Mas os médicos simplesmente deixam o paciente às feras.
Volto a dizer que dou todo apoio à posição assumida pelos médicos com essa maluquice do governo federal de chamar estrangeiros a torto e a direito. Mas que eles precisam fazer um exame de consciência e mudar comportamentos, ah, sim, precisam.
Apreciação correta e muito pertinente!
ResponderExcluirE mais: há médicos que "se acham" estrelas-high-soçaite e sacaneam com os "pobres" que tentam marcar consulta via plano de saúde.
As vagas, mínimas (alguns limitam a cinco por mês, acredite!) acabam logo mas particulares tem até para o mesmo dia!
Mas não se desvinculam dos planos.
Ética passa longe...