sexta-feira, 5 de julho de 2013

Duas décadas contra Dilma


A ciência política cochilou no Planalto. Inebriados pelo berço esplêndido, assessores especiais de Dilma abandonaram o sismógrafo popular. De repente, acharam que tinham o controle total do epicentro. Brasília, menina criada com gritos e vaias, era o observatório único. Se tudo seguia normal no sonho de Juscelino, pesadelos não passavam mesmo de quimera.
Engano. Puro engano. O Brasil tem vivido ciclos de manifestações populares a cada década. De 1983 para cá, a marcha tem cadência e ritmo. Tem prazo estabelecido. Naquele ano, nasceu o Diretas Já. Quase dez anos depois, e os cara-pintadas pintaram e bordaram contra o Collor. Impeachement em 1992. 2003 passou incólume. Agora, em 2013, duas décadas contra Dilma.
Uma geração inteira saiu às ruas. Para os nascidos perto de 1993, o tempo é de gritar e ser ouvido. Todo mundo tem vez. Cinquentões de hoje já protestaram. Eles trouxeram a eleição bem direta. Outros tantos tiraram o primeiro presidente eleito, sim porque Sarney era mesmo vice. O imprevisível aconteceu. Junho ardeu em chamas, chamuscando velhos torrões partidários. Mexeu com tudo e com todos. Reinventem a fórmula porque os ingredientes se misturaram. Duas décadas contra Dilma.
O advento da internet mudou os rumos do mundo. Ninguém governa mais como antes. Antigas fonias “subversivas” agora estão em todo canto. Ipad, Iphone, Twitter. Orkut, Face, Messenger: a reinvenção do correio. Ninguém segura o povo. Enquanto dormimos, milhões conversam de tudo. Política também é papo. Transporte, saúde, abusos. Cuidado, Dilma, o povo não dorme mais, madruga.
As manifestações atuais têm algo diverso. Não nasceram da UNE e da Ubes. Não ergueram bandeiras vermelhas. Nasceram da base mais base. De jovens que gostam de bola, mas sabem quanto custa a passagem. De gente que sabe fazer conta diferente. Sem nada de provas e noves. Conta que o celular resolve rápido, traduz, faz câmbio. Quarenta bilhões na Copa? Peraí... esse negócio não tá certo. Circo sobretaxado. Não dá, Dilma! Vamos às ruas. Muita gente já ganhou a Copa. Hexacampeões por toda parte. Corruptos, corruptíveis.
O governo devia estar avisado, atento, vigilante. Não dá para governar assim isolado. A democracia pressupõe diálogo. Não tem essa de “no meu governo”. O governo é do povo e quem entender isto vencerá. Tem de ouvir o Legislativo. Tem de ouvir o Judiciário. Tem de ouvir as bases. Por que invadir seara alheia e alterar a equação montesquiana? Por que o Planalto não incluiu no orçamento os estudos financeiros do Supremo? Agora, aguenta: duas décadas contra Dilma.
É impressionante o poder de duas décadas acumuladas. Ganha a Quina e a Sena, resolve tudo muito rápido. Rapidinho, o governo veio falar com o povo: promessas, propostas e mais promessas. O que não der para hoje, sairá amanhã. O governo quer ouvir a plebe. Mas será que os jovens querem isso? Milhões num plebiscito arriscado? Por que não ouvir a plebe lá nas urnas? Vamos medir bem a ressonância. Vamos ver se é vigília ou sonambulismo. Ninguém deve votar emprestando a faixa, querendo saber qual é a pauta.
Constituinte? Meu Deus, que ideia afobada! “Barbeiragem”, diria o Lula, rompendo o silêncio de suas polpudas aulas africanas. Nem pensar mexer nisso agora. Prefiro essa colcha de retalhos a perdermos até o artigo quinto. Cláusula pétrea, é bem verdade, bem mais segura longe de marretadas loucas para gravar os seus nomes na Carta.
Mas os ganhos de junho são notórios. Planalto, Congresso e Supremo querem limpar a mesa. Reveja-se isto e aquilo, ministérios podem ruir. Até a causa gay entrou em pauta, ou melhor, querem tirá-la de vez: negue-se a cura definitivamente! O Congresso não quer um título homofóbico. Pobre Feliciano, vão apagar os holofotes. Volte a pregar, mano! Até o Supremo mandou prender político. Duas décadas contra Dilma. Duas décadas contra todos.
O desenho eleitoral está confuso. Ninguém garante nada. Vantagem virou dúvida. Azar agora é sorte. Quem vestirá a faixa no parlatório do Planalto? Dilma, Lula, Marina? Teremos rede, petistas ou tucanos? O que teremos? Não sei. Hoje só sei que temos duas décadas nas ruas. Duas décadas contra Dilma.

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RUI RAIOL é escritor
www.ruiraiol.com.br

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