segunda-feira, 4 de março de 2013

Muito além de anjos e demônios


Quando Joseph Ratzinger foi escolhido no conclave de quase oito anos atrás, aceitou com humildade o mais alto posto da Igreja. Ratzinger não queria ser papa, mas a falta de alternativas à altura o levou a aceitar a missão. Dia desses, Bento XVI, num gesto de coragem e desapego renunciou ao ministério de Bispo de Roma. Faz 598 anos que Gregório XII (1406-1415), renunciou como sucessor de Pedro. No presente, Bento XVI, nos contempla com este, digamos assim, fato inesperado. Quem acompanha mais frequentemente os episódios que envolveram o Ministério Petrino do Sumo Pontífice, percebe o quanto ele se empenhou na luta permanente pelos bons costumes que visam à concretização do aprimoramento moral e dignificação da criatura humana.
Desde 2012, o papa já vinha dando a entender nas entrelinhas de seus pronunciamentos que sua missão era árdua e se sentia angustiado e amargurado por perceber o abandono de cardeais, bispos e presbíteros em sua tendência de dar um basta aos recorrentes casos de pedofilia que enodoam a Igreja; o escândalo do Instituto de Obras Religiosas (IOR) – o banco do Vaticano, que fez a justiça italiana bloquear 23 milhões de euros de suas contas por suspeita de lavagem de dinheiro e o consequente relatório investigativo sobre o roubo de documentos pelo ex-mordomo Paolo Gabriele, alcunhado de “O Corvo” que ajudou a defenestrar o esquema de lavagem do IOR. Quem estaria por trás dele? Ah! E as brechas do passado que ficaram da gestão fraudulenta do Instituto Dermatológico (IDI) e a falência fraudulenta do Hospital São Rafael, com rombo estimado em 1,5 bilhão de euros.
Pelos corredores, criptas e atrás das colunatas do Vaticano existe uma teia de conspiradores e corruptos. O choque entre o decano Angelo Sodano e o Secretário de Estado, Tarcisio Bertone (cardeal camerlengo) tem origem no tempo. Sodano é considerado “Wojtylista” grupo da Cúria que se firmou sob o papa polonês que antecedeu o alemão. Deixou o cargo ao completar 78 anos. Viu- se substituído por Bertone, que completou a mesma idade provecta em dezembro, mas permanece na função. A nomeação de Bertone para a Secretaria de Estado, um dos postos mais brilhantes da Cúria, pode ter sido o maior erro de Bento XVI. Ele queria alguém que lhe protegesse contra a máquina de fritar pontífices, a impenetrável e ardilosa burocracia do Vaticano.
Essa defesa não funcionou. Pretensioso, em total desafinação com as intenções do papa, Bertone – associado ao cardeal Angelo Bagnasco, arcebispo
de Gênova e presidente da CEI, a Conferência Episcopal Italiana – emulou os vícios da burocracia mais impertinente. Bertone está na mira não só de Sodano, mas de boa parte dos cardeais italianos, que o responsabilizam, por interesses ou omissão, pelos casos IOR e Vatileaks. Sua pressa na nomeação do belga Bernard De Corte, um estranho no ninho da Igreja, como o novo presidente do banco. Pergunta-se: Por que Bertone tinha tanta urgência em preencher o cargo com um homem de sua confiança, mas aparentemente inabilitado para tanto?
Quem leu “Anjos e Demônios” de Dan Brown e observa o que acontece no Vaticano, nos dá a ideia de que a ficção se tornou realidade. A coisa vai muito além de anjos e demônios. O jornal Italiano “La República”, dias atrás, publicou novas revelações sobre o relatório que teria levado Bento XVI a decidir sua renúncia. O dossiê, de 300 páginas, que será entregue a seu sucessor identifica, entre as facções em luta na Cúria, uma dedicada a criar e destruir carreiras, outra de caráter econômico, que usa propinas para influir na administração vaticana e uma terceira de prelados homossexuais, pressionados por chantagistas de fora. O jornal relaciona essa última ao caso de Angelo Balducci, ex-assessor papal demitido em 2010 por pagar por relações sexuais a pelo menos dez seminaristas e cantores e também a Marco Simeon, diretor da RAI do Vaticano e responsável pelo afastamento do arcebispo Carlo Maria Viganò, após este denunciar corrupção nas finanças do micro-Estado.
No mais, o agora Papa Emérito se dedicará às orações em Castel Gandolfo e depois vai consagrar os seus últimos dias para reflexões e cultivar o jardim do monastério Mater Ecclesiae.

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SERGIO BARRA é médico e professor.
sergiobarra9@gmail.com

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