Não sei como dar conta do paradoxo, do beco sem saída que a votação mostra do ponto de vista lógico
Não lembro mais em que Copa do Mundo, com o Brasil já desclassificado, a Alemanha disputava a final. Mesmo sem interesse por futebol, um amigo torcia com entusiasmo pela seleção adversária."Vitórias da Alemanha são sempre má notícia", explicou. Seguia um pouco o espírito daquele político francês dos tempos da Guerra Fria, que dizia adorar o país de Hitler e Bismarck. "Gosto tanto da Alemanha que acho ótimo existirem duas."
Não tenho a mesma implicância, mas de algumas torcidas eu não abro mão. Pode ser preconceito, ou raiva injusta, mas, no caso de Duda Mendonça, sou como o amigo germanófobo. Encaro como má notícia qualquer vitória do famoso publicitário baiano.
Leio que não deu certo sua campanha pela divisão do Pará -e, só por isso, já tenho motivos para comemorar o resultado do plebiscito.
Não é que Duda Mendonça seja ruim como marqueteiro. Ao contrário, ele é bom demais. Se, em determinada eleição, a maioria ficou imune aos seus truques e técnicas, isso pelo menos me dá a segurança de que a manipulação publicitária não pode tudo.
Duda Mendonça ressuscitou Maluf na forma de doce de marzipã, inventou um Lula sabor de pêssego, aplicou slogans e jingles idênticos para candidatos de partidos diferentes, e, até na Argentina, numa campanha para Menem, usou a sua receita para fazer da política uma geleia geral.
O Pará resistiu. Viva o Pará. Viva o Pará? O problema é que, fora minha antipatia pelas artes de Duda Mendonça, o resultado do plebiscito não me deixa convencido.
Claro, novos Estados significam novos governadores, novas Assembleias Legislativas, diminuição do peso político de São Paulo no Congresso, mais gastos e desperdícios.
Mas basta dar uma olhada no mapa para pensar que esses Estados gigantescos são coisa do passado; a tendência, na medida em que se povoam, é se dividirem mesmo. Fica estranho haver tantos Estados pequenos ao leste do país e imensidões no oeste com um ou dois governadorezinhos tomando conta de tudo.
De resto, o plebiscito do Pará teve um resultado estranhíssimo. Não sei como dar conta do paradoxo, do beco sem saída que a votação apresenta do ponto de vista lógico.
A maioria dos paraenses votou pela manutenção do Estado como é hoje. Mas a maioria dos paraenses se concentra na região de Belém. Os habitantes de Carajás, em sua maioria, queriam Carajás. Os habitantes de Tapajós também queriam Tapajós. Ou seja, a vontade da população estava dividida. Um plebiscito que fosse realizado apenas nas cidades tapajenses, ou tapajoaras, seria esmagadoramente a favor da separação.
"Queremos autonomia, queremos nos separar", dizem os carajenses, ou carajanos. "Não podem, vocês têm de ficar conosco", diz a maioria de Belém.
Quem tem razão? Qual a legitimidade para se manter uma união de três partes se duas delas não querem permanecer unidas?
Ou seja, não fica claro, num plebiscito desse tipo, quem é o sujeito, quem é o agente da decisão. "O Pará" quer se manter unido. Mas é a existência dessa entidade, "o Pará", que está em discussão. Belém decide o que quer fazer com Tapajós; e como Tapajós oficialmente ainda não existe, não pode sozinho passar a existir.
E, se Belém decide por Tapajós, por que não estender a decisão para todo o país? Paulistas, mineiros, baianos têm seu interesse afetado também. O assunto não é "paraense", é nacional. Conceder a um Estado o poder de dividir-se ou não talvez seja ilegítimo.
O diabo é que não sei bem para que os Estados servem, do ponto de vista administrativo. Políticas de segurança, políticas econômicas, leis sobre meio ambiente, royalties do petróleo, quase tudo o que importa só pode funcionar sob uma ótica federal.
A autonomia dos próprios Estados tende a ser cada vez mais ilusória. É resquício de um passado em que o país sobrevivia sem tanta integração e interdependência. Não faz sentido que professores ou policiais no Estado A ganhem o dobro do que ganham seus colegas no Estado B.
Só vejo uma vantagem: é que, com um Congresso desmoralizado, são os governadores que respondem por um mínimo de equilíbrio de poder, impedindo que o poder presidencial se torne absoluto.
Nada como um pouco de relativização e de diferença na vida política. Relativizando mais ainda, quem sabe se, afinal, Duda Mendonça não estava certo desta vez.
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Artigo publicado na Ilustrada, da Folha de S.Paulo de hoje
O Tapajós existe.
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