segunda-feira, 4 de julho de 2011

Incapaz de agradar direita e esquerda


Após 50 anos, renúncia de Jânio Quadros (1917-92) ainda intriga analistas. Há 50 anos, Quadros fracassava na tentativa de acuar o Congresso Nacional e voltar nos braços do povo. A Constituição do Brasil, promulgada em 1946, continha todos os elementos da crise política que eclodiu em 25 de agosto de 1961: a contradição entre o Legislativo democrático e o Executivo autocrático. Após sete meses à frente da Presidência da República, Quadros renunciou, jogando o país numa crise institucional sem precedentes. O golpe que não foi. Deu no que deu. A renúncia desembocaria no golpe contra Jango Goulart em 1964.
À época, durante toda a campanha eleitoral, Quadros havia declarado a diversas pessoas que processaria o Congresso perante o povo, culpando-o pela situação do País, caso não lhe desse as leis e os instrumentos necessários para governar. E, depois de eleito, queria obter o apoio dos governadores Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul e de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, sempre com o mesmo argumento: "Com aquele Congresso", não poderia governar, sem fazer "concessões às esquerdas e apelar para elas".
 O modelo de marketing político individual criado por Quadros, ainda hoje atrai e influencia muitos políticos brasileiros. Era um novo estilo, muito pessoal, de liderança política, apoiado num marketing que reunia um sistema de comunicação baseado na autovalorização, nas denúncias das irregularidades administrativas, no desprezo pelo Parlamento e pela política e no uso sistemático da Imprensa, com um discurso sedutor para vários setores da sociedade.
 O presidente pretendia romper os limites constitucionais, mediante um golpe de Estado, não um golpe convencional, dependente das Forças Armadas, e sim um golpe aceito pelo consenso nacional, que lhe possibilitasse governar acima das classes sociais e dos partidos políticos.
 Quadros usava o neutralismo a fim de robustecer sua posição contra a esquerda e previu que ele iria obter efeitos inesperados e desagradáveis, ao usar a política externa, na medida em que se fortalecesse, com o sucesso da política econômica e financeira como ferramenta para resolver problemas domésticos. O presidente estava a justificar, previamente, o golpe com que pretendia compelir o Congresso a conceder-lhe a soma dos poderes, como condição para seu retorno ao governo.
O presidente tinha enorme amizade e simpatia pelo jornalista Joel Silveira. Este contava como o ex-presidente gostava de convidá-lo para entrevistas e, quando perguntado sobre a questão, tomava um gole de uísque, dava uma longa pausa e dizia: "Para você, Joel, eu conto", sempre dando uma versão completamente diferente a cada vez.
O mais importante é entender que o império da vassoura preparou o caminho para o domínio da espada. A velha política de Quadros de "governar é punir" transformou o país num imenso quartel da Inquisição. Seu governo foi decisivo para reforçar o papel das Forças Armadas, como foi o pós-1964. Seu estilo e renúncia contribuíram, também, para simplesmente desmoralizar o processo eleitoral e a participação democrática.
 O apelo fundamental do discurso janista era o moralismo. Verdade ou mais uma das "versões" após um gole de uísque? Passados 50 anos da renúncia, seria mais importante entender o "fenômeno" janista, suas consequências e, acima de tudo, a permanência de valores explorados magistralmente por ele.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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