quarta-feira, 2 de março de 2011

O fator Benedito Nunes


Belém ainda respira a dor da morte de Benedito Nunes. Aos 81 anos, Bené, como era simplesmente chamado, foi um dos filhos que mais honraram o estado do Pará. Sendo uma estrela de raro brilho, optou em não deixar o seu cantinho de chão. Andou pela Europa e América do Norte. Viajou o mundo pelas páginas de seus livros. Porém, jamais se deixou encantar por alguma terra. Belém era sua casa. Sua base. Sua paixão.
Pessoalmente, não conheci Benedito Nunes. Nunca ouvi sua voz de saudação nem tive oportunidade de lhe ser apresentado. Mesmo assim acompanhava sua trajetória. Fosse por excertos de sua obra, entrevistas e depoimentos, fosse por encontros ocasionais em caminhadas no Bosque Rodrigues Alves. Algumas vezes estive assim tão perto, mas preferi conhecê-lo a distância, anônimo, para apreciar aquela pessoa especial que era.
Traço inegável de Benedito Nunes era a humildade. Nunca o vi soberbo. Para justificar tantos títulos e honrarias, ele avocava o saber - a filosofia, a literatura - como algo que o envolvia de modo sobrehumano, raramente falando em primeira pessoa. E se em alguma entrevista precisava desse pronome, o “eu” era pronunciado de modo tímido, sem importância, pequenino diante da visão de mundo que ele sabia construir tão bem com as palavras. Foi assim que o escutei ao comentar uma homenagem recente: “Nunca pensei que meus oitenta anos fossem ser tão festejados!”. Dito com pura simplicidade, quando passou a ideia que nem era ele o homenageado, mas o tempo e a própria idade.
Benedito Nunes foi um autodidata. Sua fonte principal não foi a academia, como ele mesmo afirmava. Guiou-se pelo autoconhecimento. Ouviu sempre uma voz interior que lhe convidava a ler, pesquisar, descobrir o sentido de seu objeto de estudo. Assim estudou Clarice e Heidegger. Mergulhou. Foi além dos títulos, páginas e estereótipos de seus autores. Quis saber o motor, a linha de raciocínio. Procurou a alma literária. O foco. O traço. E foi premiado por isto, sem abandonar de vez o ninho. Neste sentido, o aplauso. Neste sentido, o fator Benedito Nunes.
Estamos cansados de canções do exílio. De filhos nobres que do Pará só têm o registro. A toda hora, ouvimos seus murmúrios. Suas depressivas locuções apontando o que consideram uma necessária viagem além-fronteiras. Sem isto, não podem estudar nem viver bem, dizem. Não há campo. Não há mercado. Não há passado, presente ou futuro.
Benedito Nunes é o contradiscurso. Sua condição de caboclo paraense não lhe impediu o sucesso. Viajou. Conheceu muitas terras e mares. Mas viveu em Belém até o fim. Daqui, sua mente alcançou o mundo. Num tempo em que não havia internet, não deixou de navegar pela terra da boa leitura, de conhecer excelentes autores e mestres. E, por isso, fez-se mestre também deles.
Mas todo esse brilho não é algo fugaz e instantâneo, como pensam alguns desta geração. É fruto de um construção. Na literatura, as primeiras obras de Benedito Nunes remontam à década de 60. Para os que apreciam holofotes, prêmios disto e daquilo representam o auge de uma carreira. Todavia, para quem respirou letras por tantos anos, uma consequência natural, que enobrece, mas não tem o poder de lhe alterar o caminho.
O fator Benedito Nunes nos faz, hoje, pensar em um homem sábio. Reconhecer que a verdadeira sabedoria não combina com a altivez. Com um apego exagerado ao “eu”. Pelo contrário: quanto mais sábio, mais simples. Quanto mais simples, mais sábio. Estas palavras nasceram siamesas.

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RUI RAIOL é escritor (www.ruiraiol.com.br)

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